TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

498 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O Capítulo III do Titulo V da Constituição, dedicado aos tribunais, referindo-se primacialmente aos juízes dos tribunais judiciais (artigo 215.º), inclui também normas que se reportam a todos os juízes (artigo 216.º) e normas que especificamente visam os juízes dos restantes tribunais (artigo 217.º, n. os 2 e 3). De acordo com o que dispõe o artigo 215.º da Constituição, «[o]s juízes dos tribunais judiciais for- mam um corpo único e regem-se por um só estatuto» (n.º 1), remetendo-se para a lei o estabelecimento dos requisitos e das regras de recrutamento dos juízes de tribunais judiciais de primeira instância (n.º 2). Outras disposições regem sobre garantias e incompatibilidades (artigo 216.º) e, além de confiarem a competência para a direção e gestão das magistraturas a órgãos constitucionais autónomos (Conselho Superior da Magis- tratura e Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais – artigo 217.º, n. os  1 e 2), remetem para a lei a definição de regras próprias sobre a colocação, transferência, promoção e exercício da ação disciplinar dos juízes de qualquer jurisdição, sempre com a «salvaguarda das garantias previstas na Constituição» (artigo 217.º, n.º 3). Estas disposições, especificamente atinentes ao estatuto dos juízes, não podem deixar de ser interpretadas conjugadamente com os princípios plasmados nos precedentes capítulos do mesmo Título, e especialmente com os do Capítulo I que se referem ao funcionamento dos tribunais e ao exercício da função jurisdicional. O artigo 202.º, sob a epígrafe «função jurisdicional», no seu n.º 1, define os tribunais como os «órgãos de soberania com competência para administrar a justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados. Um dos princípios inerentes à reserva de jurisdição consubstancia-se na exigência de que o órgão juris- dicional ao qual possa ser atribuída a função de julgar se encontre rodeado das necessárias garantias de inde- pendência e imparcialidade. Por isso, há de concluir-se, como também se refere no Acórdão n.º 171/92 que «os tribunais hão de ser visualizados como sendo só aqueles órgãos de soberania que, exercendo funções jurisdicionais, sejam supor- tados por juízes que desfrutem totalmente de independência funcional e estatutária, não bastando, pois, a mera atribuição de poderes às entidades da Administração para, na resolução dos assinalados casos concretos, poderem decidir sem sujeição a ordens ou instruções». Daí que a independência e imparcialidade da jurisdi- ção exijam garantias orgânicas, estatutárias e processuais (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/92) e daí também que a reserva de jurisdição implique a necessária convergência entre a dimensão material e a dimensão organizatória da jurisdição. 11. É esse o postulado que decorre do artigo 203.º da Constituição, segundo o qual «[o]s tribunais são independentes e apenas estão subordinados à lei». É precisamente para garantir a independência dos juízes que a Constituição consagra um conjunto de garantias e de limitação de direitos relativamente ao regime de exercício de funções dos magistrados judi- ciais, que constitui o verdadeiro estatuto do juiz, e que foi desenvolvido, no plano do direito ordinário, pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, dando concretização prática ao princípio da unidade da magistratura judicial, nas suas vertentes de unidade orgânica e estatutária, que decorre diretamente do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição (e a que o artigo 1.º do Estatuto também alude), e que pressupõe que a estrutura judiciária se encontre autonomizada do ponto de vista orga- nizativo (corpo único) e funcional (um só estatuto). Como se escreveu no aludido Acórdão n.º 620/07: «A unidade orgânica e estatutária, encontrando-se circunscrita, nos termos da referida disposição constitucio- nal, aos juízes dos tribunais judiciais, quer significar não apenas a separação orgânica e funcional entre as diversas magistraturas judiciais e entre estas e a magistratura do Ministério Público, mas também a existência de uma especificidade estatutária em relação aos titulares de outros órgãos de soberania, aos juízes das restantes ordens de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=