TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL realização do ato de citação deve, pois, dar garantias mínimas de segurança e fiabilidade e não pode tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento oportuno desse ato, sob pena de incorrer em violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º. Ora, a garantia de cognoscibilidade do ato de citação, que o Acórdão n.º 182/06 julgou suficiente em relação a ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito sem qualquer limite de valor, só pode ter-se por verificada quando haja, senão a certeza, pelo menos a forte proba- bilidade de que o citando reside na morada para onde se remeteu a carta de citação. Foi a impossibilidade de se atingir fundadamente esse grau exigível de convicção ou o facto de a lei não permitir a ilisão da presunção de residência no local do depósito das cartas de citação, ignorando a demonst- ração pelo réu do contrário, que determinou, em contraponto, os juízos de inconstitucionalidade formulados nos Acórdãos n. os 287/03, 104/06 e 632/06, também antes referidos. No Acórdão n.º 287/03, a norma sindicada não exigia sequer um controlo prévio da exatidão da infor- mação prestada pelo credor sobre o domicílio do devedor, pela consulta nas bases de dados públicas, o que, no entendimento aí sustentado, comprometia, desde logo, a idoneidade da citação por via postal simples feita nesse domicílio para assegurar a transmissão de informação essencial ao exercício do direito de defesa do réu. Para os dois Acórdãos seguintes, a realização dessa averiguação prévia, prevista nas normas apreciadas, sendo condição necessária não era condição bastante de validação constitucional da presunção absoluta de conhecimento da citação efetuada por via postal simples para as diferentes moradas apuradas nas bases de dados, modalidade de citação que, nesse contexto, se considerou ser uma «ficção» legal constitucionalmente inaceitável. Como se salientou atrás, a norma ou dimensão apreciada nessas duas últimas decisões, que determi- nava a citação postal simples do réu em caso de frustração da citação postal registada, tinha a característica comum de recair sobre a hipótese de a residência para a qual se endereçou a citação por carta registada não coincidir com o local obtido na base de dados dos serviços enumerados no n.º 1 do artigo 238.º ou de nestas constarem várias moradas. E essa era também a hipótese apreciada peloTribunal Constitucional no seu recente Acórdão n.º 222/17, como vimos. Embora não tenha sido desenvolvida argumentação incidente sobre este elemento específico das hipó- teses normativas aí em apreciação, parece claro que a conclusão de inconstitucionalidade, por violação do direito de defesa do réu/requerido, não pode ter deixado de ponderar, desde logo, a precariedade ou fali- bilidade da base de facto em que o legislador fazia assentar, nessas hipóteses, a presunção de recebimento (conhecimento) da citação/notificação. Com efeito, o registo de diferentes moradas nas bases de dados de serviços públicos de referência intro- duz uma significativa margem de erro, não apenas em relação ao local onde o citando/notificando reside, como em relação à própria correspondência que existe entre os resultados obtidos nessas bases de dados e a pessoa do citando/notificando, justificando-se nesse ponto as dúvidas expressas por Lopes do Rego, no artigo doutrinário acima citado, e reiteradas no Acórdão n.º 222/17, quanto à questão de saber se as diferentes moradas localizadas se referem à mesma pessoa, que tem vários domicílios, ou a pessoas homónimas que, naturalmente, têm também domicílios diferenciados. A citação ou notificação por via postal simples não passou, pois, nesses casos, desde logo, o teste de segurança e fiabilidade que a Constituição necessariamente impõe à forma de comunicação dos atos do processo que materialmente interfiram ou possam interferir com o exercício efetivo do direito de defesa con- sagrado no seu artigo 20.º, pois que não garantia sequer que a carta através da qual se dava conhecimento ao réu ou requerido da pretensão contra si deduzida em juízo foi colocada na sua «área de cognoscibilidade», em termos de lhes possibilitar o exercício eficaz do direito de defesa (cfr. Acórdão n.º 182/06). 2.5. Valendo para o ato de notificação previsto no artigo 12.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, atento o seu conteúdo e os efeitos cominatórios da não apresentação tempestiva de oposição, as mesmas
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