TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

440 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL referido Acórdão n.º 218/12, que apreciou a norma em causa nos presentes autos estritamente no confronto com o princípio da igualdade, concluiu pela sua não inconstitucionalidade. Fê-lo nos seguintes termos: «Ora, como se deixou já esclarecido, e melhor se explicita no já citado acórdão de uniformização de jurispru- dência n.º 9/2011, o segmento final da norma do n.º 1 do artigo 80º, ao estabelecer um limite temporal para o desconto de medidas processuais privativas de liberdade em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas – correspondendo esse limite à data da decisão final proferida no processo no âmbito do qual essas medidas foram aplicadas – tem uma finalidade precisa. Visa obstar a que o arguido que foi sujeito a medi- das processuais privativas de liberdade num processo, no âmbito do qual não pôde proceder-se ao desconto das medidas processuais sofridas ou não pôde proceder-se ao desconto, por inteiro, das medidas processuais sofridas, «mantenha, a seu favor um tempo de privação de liberdade, que lhe possa vir a aproveitar, por via do desconto, na eventual condenação por crime futuro, ou seja, por crime praticado posteriormente à decisão final do processo em que sofreu tais medidas». A ausência desse limite temporal poderia redundar, na prática, num incentivo à atividade delituosa, na medida em que o tempo de privação de liberdade que o arguido tivesse sofrido em processo que culminasse com a absol- vição ou a não pronúncia seria descontado na pena de prisão em que viesse a ser condenado por qualquer outro ilícito penal em que incorresse em momento posterior. Essa situação é muito diversa daquela outra – que o preceito pretende especialmente contemplar – em que a condenação se reporta a facto anterior à decisão de absolvição ou não pronúncia proferida em processo à ordem do qual o arguido sofreu medida cautelar de privação de liberdade. Neste caso, a privação de liberdade, tornada injusta por não comprovação dos factos que cautelarmente justificavam a medida de coação, poderá ser considerada no cômputo da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado, ainda que em processo diferente, como modo de reparar os danos que lhe foram infligidos com a aplicação dessa medida, sem que daí resulte uma qualquer consequência negativa no plano da prevenção geral das penas. Tudo permite concluir que a solução legislativa em causa, contendo embora a referida distinção com base na anterioridade ou posteridade do facto que origina a condenação, não é desrazoável ou arbitrária, e surge antes fundamentada à luz de um critério inteligível ou racionalmente apreensível, que é congruente com valores consti- tucionalmente relevantes.» 10. Embora não invoque, a título autónomo, uma violação do princípio da presunção de inocência con- sagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, o recorrente argumenta, no contexto e em suporte da alegada violação do princípio da igualdade, que a diferenciação operada no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, por assentar num «juízo de prognose desfavorável de que em situações em que haja uma privação de liberdade que terminou sem decisão condenatória [admitir o desconto] se pode traduzir num incentivo à atividade delituosa», não pode «estar conforme à Lei Fundamental portuguesa que tem como baluarte, entre outros o princípio da presunção de inocência». O argumento não se afigura procedente. O princípio da presunção de inocência tem um acentuado caráter de garantia individual, impondo que seja dispensado determinado tratamento a uma pessoa sobre quem recaia a suspeita da prática de um concreto crime: não pode dar-se essa suspeita como certa ou sequer provável, nem podem adotar-se soluções legislativas baseadas numa tal presunção. Isto é muito diferente de se partir do princípio de que o Estado, ao permitir que um período de privação de liberdade venha a ser descontado numa futura e hipotética pena – aplicada em pleno respeito pelo princípio da presunção de ino- cência – por factos cometidos pela mesma pessoa já ciente de que esse período poderia vir a ser descontado, pode estar a incentivar a prática de crimes; ou de que, no mínimo, não está a dissuadi-la. No primeiro caso, estar-se-ia a presumir que uma pessoa cometeu um crime (no passado); no segundo, está-se a presumir que certa solução legislativa pode aumentar as probabilidades de uma pessoa vir a cometer crimes (no futuro). Certamente que é de um «juízo de prognose» que aqui se trata: a prevenção é por definição prognóstica na sua intencionalidade. O que, aliás, só contribui para distinguir este juízo daquele sobre se uma pessoa é ou

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=