TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. O recorrente considera que, «quando interpretado no seu sentido literal», este preceito – mais espe- cificamente, a dimensão do mesmo que condiciona a aplicação do instituto do desconto aos casos em que, tendo um arguido sido sujeito às medidas privativas da liberdade ali previstas no âmbito de um processo diferente daquele em que vier a ser condenado, «o facto por que for condenado tenha sido praticado ante- riormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas» – é inconstitucional por violação de dois parâmetros distintos: por um lado, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição; por outro, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. 7. O entendimento reiteradamente acolhido pelo Tribunal Constitucional em relação ao princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, é o de que, embora o mesmo imponha alguns limites à intervenção sancionatória do Estado, é primacialmente ao legislador que incumbe fazer a avaliação sobre a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito dessa intervenção. O legislador dispõe de uma ampla margem de conformação, a qual cessa, mas cessa apenas, expondo-se o seu resultado a um juízo de inconstitucionalidade, quando a desproporcionalidade da norma aprovada for notória, manifesta, flagrante. Neste sentido, vejam-se os Acórdãos n. os  304/94, 574/95, 329/97, 201/98, 108/99,547/20, 67/11,  105/13, 97/14 e 21/19. A restrição operada pela parte final do n.º 1 do artigo 80.º do Código Penal foi já apreciada pelo Tribu- nal Constitucional no seu Acórdão n.º 218/12, referente a um caso acentuadamente idêntico ao dos presen- tes autos. Concluiu aí o Tribunal que essa restrição não pode considerar-se destituída de fundamento, sendo antes suscetível de assentar em ponderosas razões de natureza político-criminal: «3. O artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, (…) na sua nova redação (…) altera significativamente o regime de desconto da prisão preventiva. Na versão primitiva e na redação depois introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março (que acrescentou a referência à detenção e à obrigação de permanência na habitação), a norma limitava-se a consignar que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada». A atual redação passou a considerar a possibilidade de desconto no cômputo da pena de prisão ainda que as medidas de coação tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. Deste modo, o legislador abandonou o critério da unidade do processo como requisito exclusivo do desconto, admitindo irrestritivamente a aplicação dessa medida processual, ainda que com um limite temporal (…). Este último requisito não constava da Proposta de Lei n.º 98/X, que deu origem à Lei n.º 59/2007, e foi aditado já no decurso do processo legislativo tendo sobretudo em vista salvaguardar os fins de prevenção geral das penas. De facto, como se refere no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2011 (publicado no Diário da Republica DR, I Série, n.º 225, de 23 de novembro de 2011), «a limitação prevista no último inciso do artigo 80.º, n.º 1, de que só se desconte o tempo de privação de liberdade sofrido noutras causas por factos anteriores à decisão final do processo no âmbito do qual o arguido sofreu as medidas processuais privativas da liberdade tem o sentido de evitar o desconto do tempo de privação de liberdade anteriormente sofrido em processos por factos posteriores de forma a não gerar, em quem tivesse a seu favor um tempo de privação de liberdade sobrante, um crédito ou saldo positivo de tempo de privação de liberdade por conta de um futuro crime, o que poderia equivaler a uma compensação em pena futura como se de um convite a delinquir se tratasse. Desta forma, do que se trata é de evitar situações que repugnariam aos fins preventivos das penas». Tratou-se por isso de afastar uma solução normativa que – como também esclarece Maia Gonçalves ( Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª edição, Coimbra, págs. 317-318), «podia fornecer aos arguidos um

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