TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
433 acórdão n.º 104/19 AAAA. E nessa medida, na redação em vigor, padece o artigo 80.º do CP de inconstitucionalidade material por vio- lação do princípio da proporcionalidade e proibição do excesso plasmado no artigo 18.º da CRP.» 4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade, baseando-se, para tanto, inter alia , na jurisprudência constitucional tirada no Acórdão n.º 218/12, concluindo nos seguintes termos: (…) «24.º O Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, cita, aliás, em abono da sua posição, jurispru- dência deste Tribunal Constitucional, ou seja, o Acórdão 218/12, de 26 de abril, de que foi Relator o Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (cfr. supra n.º 12 das presentes contra-alegações), reconhecendo, aliás, o arguido, em diversos pontos das suas peças processuais, que tal jurisprudência é manifestamente adversa à sua tese. Ora, no Acórdão 218/12, este Tribunal Constitucional foi claro ao entender, designadamente, relativamente ao princípio da igualdade (itálicos do signatário): “3. É à luz destas considerações que haverá de verificar-se se a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal viola, como vem alegado, o princípio da igualdade. Conforme tem sido frequentemente afirmado, não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na avaliação da razoabilidade das medidas legislativas, formulando sobre elas um juízo positivo, e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna. O controlo do Tribunal é antes de caráter negativo, cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inad- missível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível. Por outro lado, como foi salientado, ainda recentemente, no acórdão n.º 166/10, na linha de anterior juris- prudência de idêntico sentido, «o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distin- ções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa perspetiva sintética, o princípio da igualdade , enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio ». Ora, como se deixou já esclarecido, e melhor se explicita no já citado acórdão de uniformização de juris- prudência n.º 9/2011, o segmento final da norma do n.º 1 do artigo 80º, ao estabelecer um limite temporal para o desconto de medidas processuais privativas de liberdade em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas – correspondendo esse limite à data da decisão final proferida no processo no âmbito do qual essas medidas foram aplicadas – tem uma finalidade precisa. Visa obstar a que o arguido que foi sujeito a medidas processuais privativas de liberdade num processo, no âmbito do qual não pôde proceder-se ao desconto das medidas processuais sofridas ou não pôde proceder-se ao desconto, por inteiro, das medidas processuais sofri- das, « mantenha, a seu favor um tempo de privação de liberdade, que lhe possa vir a aproveitar, por via do desconto, na eventual condenação por crime futuro, ou seja, por crime praticado posteriormente à decisão final do processo em que sofreu tais medidas ». A ausência desse limite temporal poderia redundar, na prática, num incentivo à atividade delituosa, na medida em que o tempo de privação de liberdade que o arguido tivesse sofrido em processo que culminasse com a absolvi- ção ou a não pronúncia s eria descontado na pena de prisão em que viesse a ser condenado por qualquer outro ilícito penal em que incorresse em momento posterior. Essa situação é muito diversa daquela outra – que o preceito pretende especialmente contemplar – em que a condenação se reporta a facto anterior à decisão de absolvição ou não pronúncia proferida em processo à ordem do qual o arguido sofreu medida cautelar de privação de liberdade. Neste caso, a privação de liberdade, tornada injusta por não comprovação dos factos que cautelarmente justificavam a medida de coação, poderá ser considerada no cômputo da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado, ainda que em processo diferente, como modo de reparar os danos que lhe foram infligidos com a aplicação dessa medida, sem que daí resulte uma qualquer conse- quência negativa no plano da prevenção geral das penas.
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