TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

432 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL MMM. Aqui chegados, e perfilhando caminho afastados da pureza dos conceitos temos para nós que o artigo 80.º do CP, na redação atual, é um preceito que restringe o direito à liberdade do recorrente e de todos os arguidos que se encontram em situação similar, i. e. , que tenham sido objeto de medida privativa da liberdade, que se veio a revelar injustificada, não sujeita a desconto na pena de prisão a ser cumprida, em virtude da teoria da anterioridade do facto. NNN. A positivação plasmada no artigo 80.º do CP é desproporcional aos fins que visa acautelar, qual sejam razões de prevenção geral e especial tendentes a evitar que um arguido com direito a descontar um período de priva- ção de liberdade cumprido em processo que termina sem condenação, anteveja tal período como um crédito ou saldo positivo de tempo de privação de liberdade por conta de um futuro crime, o que poderia equivaler a uma compensação em pena futura como se de um convite a delinquir se tratasse. OOO. A consagração da teoria da anterioridade do facto vertida no artigo 80.º do CP é desproporcional e desade- quada aos fins de prevenção que estiveram na base da sua consagração e restringe de forma excessiva o direito à liberdade do recorrente. PPP. Na verdade, os fins de prevenção geral e especial, não obstante, assumirem especial relevância no edifício penal português não podem ser fundamento bastante para postergar a proporcionalidade que deve pautar a positivação legislativa. QQQ. Com efeito, o fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial. A culpa do infrator desempenha o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar. RRR. O fim do direito penal é o da proteção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial. SSS. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados; pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). TTT. Ora, tal como explanado supra a pena e a sua medida são o instrumento basilar na prossecução dos almejados fins da prevenção geral e especial, nessa medida é a medida concreta da pena e o seu regime de execução o meio adequado a materializar as sobreditas necessidades de prevenção, em todas as suas dimensões, e não a impossibilidade de os arguidos descontarem períodos de privação de liberdade a que tenham sido sujeitos, independentemente do momento da prática dos factos. UUU. Temos para nós que a pena deve ser o ponto de partida e de chegada para alcançar as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. VVV. Destarte, como ensina o Prof. Figueiredo Dias “a pena é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medi- da da culpa”. WWW. E deve ser pela medida da pena, pelos seus limites e pelo seu modo de execução que se deve obter as finalida- des de prevenção, geral e especial. XXX. Nessa medida, tem que ser pela moldura penal consubstanciada como forma de punição do ilícito criminal em crise que o legislador tem que almejar os fins da prevenção, geral e especial. YYY. Ou seja, estribar na teoria da anterioridade do facto e na impossibilidade de, por causa desta, coartar a possibilidade de desconto de pena com fundamento em necessidades de prevenção, seja geral ou especial, é positivar de forma desproporcional relativamente ao direito á liberdade que fica estridentemente postergado em virtude da impossibilidade de operar o desconto de privação de liberdade sofrido pelo agente. ZZZ. Com efeito, sonegar ao recorrente o direito a ver descontados os períodos de privação de liberdade a que foi sujeito, com fundamento nas necessidades de prevenção geral e especial é desproporcional relativamente à violação do seu direito à liberdade, que foi injustificadamente coartado a coberto de uma decisão judicial proferida num processo que culminou com a sua absolvição.

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