TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
431 acórdão n.º 104/19 desejável condenação futura, o tempo em que esteve injustificadamente privado daquela, independentemente da data em que os factos que conduziram à injustificada privação foram praticados. XX. Até porque, note-se, para que se possa abrir mão do instituto de desconto de pena, terá que forçosamente exis- tir uma ulterior decisão judicial, transitada em julgado, que permite, sem dúvidas, constatar que o período de privação de liberdade aplicado ao agente se revelou injustificado, caso contrário, o processo teria terminado com uma condenação. YY. Assim, limitar a possibilidade de desconto com base na teoria da anterioridade do facto, suportada num juízo de prognose desfavorável de que em situações em que haja uma privação de liberdade que terminou sem decisão condenatória se poder traduzir num incentivo à atividade delituosa é subverter os princípios enfor- madores da nossa Lei Fundamental, ZZ. E, nessa medida, consubstancia um tratamento injustificado e desigual entre situações que na sua génese têm o mesmo fundamento i. e. uma privação de liberdade que culminou sem uma condenação transitada em julgado. AAA. Na verdade, a interpretação literal do artigo 80.º do CP seguida pelo tribunal a quo materializa uma opção legislativa arbitrária e desrazoável que traduz uma injustificada desigualdade para situações em que ocorreu uma injustificada privação de liberdade por não comprovação judicial dos factos que estiveram na origem de tal privação. BBB. A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos e políticos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. CCC. Na opinião do recorrente não se justifica, com base nos fundamentos aventados, a opção arbitrária do legis- lador ordinário em considerar que a pedra de toque do instituto do desconto seja o momento em que o facto objeto da privação de liberdade sujeita a desconto tenha sido praticado. DDD. As situações de injustificada privação de liberdade devem ter um tratamento unitário em matéria de desconto de pena i. e. ou se permite que independentemente da data em que o facto tenha sido praticado que a mesma possa ser descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão ou, ao invés teria que se abandonar, o que não se concebe, o instituto do desconto ínsito no artigo 80.º e segts do CP, EEE. Sob pena de estarmos perante uma injustificada e arbitrária desigualdade que inquina tal instituto, designada- mente o n.º 1 do artigo 80.º do CP, e consubstancia, assim, uma violação do principio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP. FFF. E nessa medida, na redação em vigor, padece o artigo 80.º do CP de inconstitucionalidade material por vio- lação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP. GGG. De outra sorte, no humilde entendimento do recorrente o artigo 80.º do CP, na redação vigente, colide ainda com o princípio da proporcionalidade e proibição do excesso plasmado no artigo 18.º da CRP e, em conse- quência, padece aquele artigo de inconstitucionalidade material. HHH. O artigo 18.º da CRP consagra como pressuposto material para que possa ocorrer uma restrição legítima dos direitos, liberdades e garantias que tal restrição obedeça e respeite o princípio da proporcionalidade. III. Por sua vez o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: i) princípio da adequação; ii) princípio da exigibilidade; iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito. JJJ. O subprincípio da adequação positiva que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei. KKK. O subprincípio da exigibilidade impõe que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se neces- sárias, porque os visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias. LLL. Por sua vez, o subprincípio da proporcionalidade em sentido restrito, significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionais, excessivas, em relação aos fins obtidos.
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