TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

430 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL LL. Com efeito, pressuposto basilar para que opere o desconto de pena é que o arguido tenha cumprido pena de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação num processo que termine sem uma conde- nação, este é pressuposto de partida igual para todas as situações que possam vir a ser eventualmente sujeitas a desconto. MM. sobredito pressuposto é o ponto de partida de um caminho que bifurca em dois tratamentos desiguais – i. e. a possibilidade de operar o desconto – para o que entendemos ser igual: i. Quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas – é possível o desconto; ii. Quando o facto por que for condenado não tenha sido praticado anteriormente à decisão final do pro- cesso no âmbito do qual as medidas foram aplicadas – não é possível o desconto; Concretizando, NN. O recorrente entende que o pressuposto da anterioridade do facto – perfilhado no artigo 80.º do CP – mate- rializa uma positivação legal que se traduz num tratamento desigual, arbitrário e injustificado por parte do legislador para situações iguais, i. e. , situações em que o arguido tenha cumprido pena de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação num processo que termine sem uma condenação. OO. Aqui chegados, importa apontar qual o fundamento basilar em que se apoiou o legislador para consignar no artigo 80.º a teoria da anterioridade do facto como pressuposto essencial para que possa operar o desconto. Vejamos, PP. Dimana do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência “AUJ” de 9/2011, de 23 de novembro, que: “A limitação prevista no último inciso do artigo 80.º, n.º 1, de que só se desconte o tempo de privação de liberdade sofrido noutras causas por factos anteriores à decisão final do processo no âmbito do qual o arguido sofreu as medidas processuais privativas da liberdade tem o sentido de evitar o desconto do tempo de privação de liberdade anteriormente sofrido em processos por factos posteriores de forma a não gerar, em quem tivesse a seu favor um tempo de privação de liberdade sobrante, um crédito ou saldo positivo de tempo de privação de liberdade por conta de um futuro crime o que poderia equivaler a uma compensação em pena futura como se de um convite a delinquir se tratasse.” QQ. Abrindo mão da fundamentação vertida no AUJ 9/2011, de 23 de novembro, é possível antever que o funda- mento basilar para que se tenha consagrado a teoria da anterioridade do facto vertida na parte final do artigo 80.º do CP se prende com um desincentivo à reincidência ou reiteração de condutas ilícitas em virtude da existência de “um banco de horas” de prisão preventiva que possa vir a ser levado a desconto numa futura condenação. RR. Não nos podemos conformar com tamanha descrença no Homem, mas, acima de tudo, não concebemos que tal entendimento possa estar conforme a Lei Fundamental portuguesa que tem como baluarte, entre outros o princípio da presunção de inocência. SS. Princípio do qual o legislador ordinário fez tábua rasa quando acolheu o pressuposto de anterioridade do facto num exercício de prognose desfavorável, sustentado num hipotético convite a delinquir decorrente de um período de privação de liberdade suscetível de desconto numa futura condenação. TT. Mais, no humilde entendimento do recorrente o fundamento, para nós infundado, de que a ausência de um limite temporal para que possa operar o desconto se traduziria num eventual convite a delinquir não justifica a opção arbitrária e desmesuradamente desigual que o legislador ordinário consignou no artigo 80.º do CP. UU. Ora, tal como antedito o instituto do desconto propugna uma ideia de justiça material, contudo entende o recorrente que tal ideia se encontra positivada no artigo 80.º do CP de forma assaz redutora. VV. Com efeito, WW. A ideia de justiça material só se materializa na sua plenitude se for possível conceder ao arguido que viu a sua liberdade objeto de uma injustificada privação de liberdade o direito de poder descontar, numa eventual e não

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=