TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

429 acórdão n.º 104/19 Y. Porém, na sequência da aprovação na generalidade e baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias daquela Proposta de Lei n.º 98/X, o aludido artigo 80º veio a incluir a proposta oral do PS de aditamento de um final ao n.º 1, com o seguinte teor “quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”, redação que veio a ser aprovada, na reunião da Comissão de 11 de julho de 2007, e que se mantém atualmente. Z. Ou seja, o legislador abandonou a unidade do processo como requisito do desconto, mas não acolheu um sistema ilimitado de desconto. AA. Nessa medida, na redação ora em vigor, a condição única para o desconto de medidas processuais privativas de liberdade em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas é a anterioridade do facto por que o arguido for condenado relativamente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. BB. Ou, dito de outro modo, só não se efetuará o desconto da detenção, da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação em processo diferente daquele em que o arguido a elas foi sujeito quando o facto por que o arguido for condenado for posterior à decisão final do processo em que essas medidas foram aplicadas. CC. E é precisamente contra este entendimento que o recorrente se insurge, porquanto entende que tal positiva- ção é inconstitucional. Com efeito, DD. O recorrente entende que a norma do artigo 80.º, n.º 1 do CP quando interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada, é inconstitucional porque conflitua e viola o preceituado nos artigos 13.º e 18.º da CRP. EE. No que contende com a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP estreamos o trecho recursivo afirmando que não é expectável nem tão pouco desejável que os nossos tribunais superiores se limitem a confirmar a opção legislativa vertida no artigo 80.º do CP apenas, e tão só, com fundamento de que estamos perante opções do legislador ordinário e sustentar tal entendimento numa decisão estribada em direito infraconstitucional. FF. Tem sido esse o caminho percorrido pelos tribunais superiores e, também, pelo Tribunal Constitucional, caminho que na humilde opinião do recorrente importa arrepiar. GG. Com efeito, urge que os tribunais superiores analisem à luz do direito constitucional e dos princípios que o enformam se a desigualdade que o legislador ordinário positivou no artigo 80.º do CP, consubstanciada na teoria da anterioridade do facto pelo qual o arguido seja efetivamente condenado, é constitucionalmente conforme e justificável. HH. Análise esta que, decorridos 10 anos desde a entrada em vigor da redação atual do artigo permite, na nossa opinião, concluir que a teoria da anterioridade do facto encerra em si uma desigualdade incomportável para o ente que se viu privado da liberdade e que não vê o tempo que cumpriu objeto de desconto apenas por razões de “calendário”. II. Ora, é sabido e consabido que o princípio da igualdade não tem uma dimensão única, antes se desdobra em várias vertentes. JJ. Para a apreciação da norma ora sindicada a vertente daquele princípio que releva é a que vincula a atuação do legislador na sua dimensão “mínima” de proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), isto é, impondo a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifesta- mente desiguais, por não estar em causa qualquer das características pessoais que justificariam a aplicação do artigo 13.º, n.º 2, da CRP. KK. Ante o exposto importa, desde já, enunciarmos o que entendemos ser igual e estar a ser tratado de forma desigual.

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