TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

428 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL L. No nosso sistema penal, o instituto do desconto, positivado no artigo 80.º do CP, surge relativamente a medi- das processuais, que se traduzam em restrições ou limitações de liberdade, e ainda quanto a penas anteriores e a medidas processuais ou penas sofridas no estrangeiro. M. Antes de mais, importa referir que ao instituto do desconto subjaz uma ideia de justiça material. N. São, assim, razões que se radicam em imperativos de justiça material que justificam que as restrições de liber- dade, impostas apenas por exigências processuais – que não devem ser consideradas como antecipação do cumprimento de uma pena e que podem consubstanciar-se numa detenção, numa imposição de obrigação de permanência na habitação ou numa prisão preventiva – sejam descontadas no cumprimento da pena que, a final, venha a ser aplicada. O. Na prossecução da aludida justiça material impõem-se, pois, que as restrições de liberdade que tenham sido impostas durante a tramitação de um processo que venha a terminar por um despacho, ou por uma decisão absolutória, que conheça, ou não, do mérito da causa, venham a ser descontadas no âmbito de um outro processo no qual venha o mesmo sujeito a ser condenado em pena privativa da liberdade. P. Atrevemo-nos a afirmar, desde já, que o vertido no artigo anterior – i. e. desconto noutro processo – assume plenitude de justiça material, apenas e tão só, na medida em que se subsuma na realidade dos factos que bro- tam do mundo para o julgador, independentemente da data em que tenha surgido a privação de liberdade ou a derradeira sanção jurídica sobre o privado de liberdade. Discorrendo, Q. As exigências de justiça material, que justificam o respetivo desconto, sobrepõem-se assim às decorrentes das finalidades de aplicação de uma pena, sejam elas de prevenção geral ou de prevenção especial. R. No que respeita ao instituto do desconto, estatuía o n.º 1 do artigo 80º do CP, aprovado pelo D.L. n.º 400/82, de 23 de setembro, que “a prisão preventiva sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado é descontada no cumprimento da pena que lhe for aplicada”. S. Na versão introduzida pelo D.L. n.º 48/95, de 15 de março, o n.º 1 do artigo 80º do CP passou a determinar que “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada”. T. A atual redação do n.º 1 do artigo 80º do CP, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, estipula, como supra se disse, que “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”. U. Como se vê, no regime anterior eram descontadas na pena as medidas de privação de liberdade de caráter processual sofridas pelo arguido no processo em que viesse a ser condenado. V. Com a redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, foi eliminado o anterior pressuposto da unidade processual, admitindo-se a extensão do desconto a um processo diferente daquele em que tinha tido lugar a aplicação daquelas medidas de privação de liberdade. W. Na Proposta de Lei n.º 98/X, que teve por fonte os trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 113/2005, de 29 de julho, com, além de outros, o obje- tivo de elaborar uma proposta de diploma de reforma do Código Penal, o n.º 1 do artigo 80º tinha a seguinte redação: “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado”. X. A propósito desta redação, pode ler-se na exposição de motivos da mesma proposta de lei que “estatui-se que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito de desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente”.

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