TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Finalmente, socorrendo-se de variadas e expressivas citações doutrinárias em prol daquela tese, o acórdão chega «à conclusão de que a interpretação normativa em escrutínio (…) não beneficia de respaldo na letra da lei do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal» (ponto 46), «o mesmo se pode[ndo] dizer quanto à invocação do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 119.º do mesmo Código» (ponto 48), pelo que uma vez que «o bem jurídico protegido pelo crime de corrupção ativa é violado com a promessa de entrega da vantagem indevida e não necessariamente com a entrega dessa vantagem, o princípio da legalidade criminal, previsto no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, encontra-se irremediavelmente comprometido pela ado- ção de interpretação normativa, desfavorável ao arguido, segundo a qual o início do prazo de prescrição do crime de corrupção ativa deve ser retardado para o momento da entrega da coisa indevida, em detrimento do inicio da sua contagem com a promessa de entrega» (ponto 53). Assim, para chegar à decisão de inconstitucionalidade, a maioria concluiu que estava perante um con- teúdo inovatório da lei, isto é, «lei nova» jurisprudencialmente criada e nessa medida violadora do princípio da legalidade. Todavia, só foi possível concluir que estava perante um conteúdo normativo inovatório depois de ter fixado qual o sentido «correto» dos conceitos usados nos preceitos legais do Código Penal convocados para dirimir a questão de direito que era colocada ao tribunal recorrido. 3. Esta decisão representa um desvio ao entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal Cons- titucional no controlo de constitucionalidade com referência ao princípio da legalidade, na dimensão de tipicidade penal. Não se ignora a relevância constitucional que o princípio da legalidade tem num Estado de direito democrático, designadamente no Direito Penal. É, portanto, manifesto que, diante da dimensão constitu- cional que este princípio assume, o Tribunal Constitucional não está, nem pode estar impedido de o usar como parâmetro de fiscalização da constitucionalidade das normas de Direito Penal. Todavia, as questões de constitucionalidade material – no caso não se coloca nenhuma questão de constitucionalidade orgânica ou formal – não se ocupam de saber se as normas foram criadas em conformidade com o texto constitucional, antes visam apurar se as normas podem subsistir à luz da Constituição. E essa análise não deve ser confundida com a «melhor» interpretação dos preceitos legais. Atente-se, desde logo, que a questão colocada não assenta na invocação de qualquer deficiência estru- tural dos enunciados normativos dos preceitos em causa para cumprir as exigências acrescidas da determina- bilidade da lei em matéria penal decorrentes do princípio da legalidade. Tão-pouco tem por objeto norma que defina critérios de interpretação da lei penal, designadamente, a possibilidade de usar certos modos de interpretação ou a analogia. Do que se trata é tão simplesmente de definir se o sistema de direito ordinário prevê o início do prazo de prescrição em determinado facto (promessa da vantagem) e não noutro (entrega da vantagem). Na metódica de há muito adotada pelo Tribunal Constitucional (desde o Acórdão n.º 110/07), o prin- cípio da legalidade, na dimensão da tipicidade penal, operando como limite constitucional à admissibilidade do resultado interpretativo a que se chegou no processo de interpretação, obriga o intérprete a excluir aque- les resultados que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Ou seja, é vedado ao intérprete recorrer a conteúdos inovatórios na aplicação da lei em matéria penal, sob pena de violação do princípio da legalidade penal (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição). Ora, não é de aceitar a conclusão de que a interpretação dos artigos 374.º, n.º 1, e 119.º, n.º 1, do CP, adotada no tribunal a quo, não encontra na letra dos referidos preceitos nenhuma correspondência. Pelo contrário, ao identificar a conduta típica por referência a quem «der ou prometer (…) vantagem» o artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal indica que qualquer destes atos integra o tipo penal do crime de corrupção ativa. Por conseguinte, saber se a consumação – prevista no artigo 119.º, n.º 1, como momento inicial do prazo de prescrição, se dá com a simples promessa ou apenas com a entrega da vantagem, exige a identifica- ção dos factos que preenchem a conduta penal típica, operação a empreender pelo julgador no respeito pelo princípio da independência interpretativo-decisória do tribunal da causa.

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