TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
417 acórdão n.º 90/19 37. Encontra-se, por isso, definitivamente afastado o juízo de que as interpretações normativas extraídas de enunciados normativos de índole penal não são sindicáveis por esta jurisdição ao abrigo do princípio constitucional da legalidade criminal, sendo, neste contexto, decisiva a moldura semântica do texto escrito (cfr. entre outros, os Acórdãos n. os 128/10, 324/13, 587/14, 106/17, 641/18). 38. Ora, é precisamente esta dimensão do princípio da legalidade criminal que, em primeira linha, per- mitirá aferir da conformidade constitucional da interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça dos artigos 119.º, n.º 1, e 374.º, n.º 1, do Código Penal, visto que esse tribunal superior, confrontado com a necessidade de determinação do momento da consumação do crime de corrupção ativa para efeitos de contagem do prazo de prescrição, procedeu a uma interpretação dos referidos preceitos legais no sentido de que a dita consumação apenas ocorreria aquando da efetiva entrega de uma dada vantagem pelo agente e não aquando da prévia promessa de entrega. 39. Acresce que o facto de a interpretação normativa em crise ter sido adotada com o desiderato de iden- tificar o facto relevante para a determinação do início do prazo de prescrição dos procedimentos criminais não prejudica a sua sindicância ao abrigo do princípio da legalidade criminal, encontrando-se consolidado na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que os efeitos dessa norma de princípio alastram-se ao direito penal adjetivo (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 590/12, 186/13, 324/13, 845/17). 40. Importa, por isso, finalmente apurar se a interpretação adotada pelo tribunal a quo encontra o devido respaldo nos enunciados normativos em causa – em especial, no enunciado normativo tipológico constante no n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal – apresentando-se, nessa medida, conforme ao princípio da legalidade criminal. Ou se, pelo contrário, a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido no contexto da determinação do início da contagem do prazo prescricional dos procedimentos criminais relativos à prá- tica de um crime de corrupção ativa extravasa a letra da lei penal. 41. Para isso é necessário contextualizar a regulação normativa do crime de corrupção ativa no Código Penal português. Ao contrário dos termos definidos no Código Penal de 1886, no qual o crime de corrupção se encon- trava formulado de forma unitária, por nele se incluir, com caráter cumulativo e bilateral, as condutas do agente-corruptor e do funcionário, o Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal de 1982, introduziu no ordenamento jurídico português a distinção, mediante a introdução de tipos autónomos, entre o crime de corrupção ativa (artigo 423.º) e o crime de corrupção passiva (artigo 420.º). Deste modo, e sem prejuízo da relação funcional que entre eles se estabelece, consagraram-se duas infrações penais distintas. E, com especial relevância para a questão de constitucionalidade em discussão nos presentes autos, o enunciado normativo relativo ao crime de corrupção ativa já dispunha, na versão originária de 1982, de uma redação assente na alternatividade da conduta penalmente censurável, por se ter criminalizado, no n.º 1 do artigo 423.º, quer a efetiva transferência da vantagem, quer a promessa dessa vantagem («Quem der ou prometer a funcionário, por si ou por interposta pessoa, dinheiro ou outra vantagem patrimonial que ao fun- cionário não sejam devidos, com os fins indicados nos artigos 420.º e 421.º será punido, segundo os casos, com as penas previstas em tais disposições.»). Essa alternatividade foi preservada até à atual versão do Código Penal, nomeadamente na revisão pro- movida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, mantendo-se uma formulação textual que assenta na criminalização da conduta de “dar” ou “prometer” a vantagem indevida ao funcionário.
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