TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
413 acórdão n.º 90/19 Como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma constante e pacífica, o apuramento do regime mais favorável perante sucessão de leis penais, de acordo com o disposto na primeira parte do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal[16], é feito através do cotejo dos regimes em bloco da lei vigente e da lei pré-vigente ao caso em julgamento, ou seja, pondo em confronto a globalidade daqueles dois regimes e não apenas partes ou segmentos dos mesmos, confronto que há de ser feito em concreto, isto é, tendo em consideração as circunstâncias específicas do caso em apreciação, visto que o texto legal ao estabelecer que é sempre aplicado o regime que con- cretamente se mostrar mais favorável apenas admite a aplicação de um dos regimes[17]. Aliás, foi este o entendimento assumido por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal, após dúvidas suscitadas por José Osório e por Gomes da Silva perante a expressão normas então constante do Projecto, expressão que mais tarde viria a ser substituída por regime, dúvidas sobre «se se aplicam as parcelas mais favoráveis de cada lei ou se se aplica só, em globo, a lei mais favorável», ao referir expressamente que “o que importa é que ao delinquente seja aplicado o regime previsto numa ou noutra lei, que concretamente se mostre mais favorável”[18]. Assim sendo certo é que a questão ora em apreciação terá de ser decidida por aplicação da lei substantiva penal resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março. Tomando posição sobre a questão dir-se-á que, como se decidiu no acórdão recorrido, conquanto o crime de corrupção ativa se tenha por formalmente consumado com a mera promessa de vantagem e que o crime de cor- rupção passiva se considere formalmente consumado com a solicitação ou aceitação (ou a sua promessa), suposto (aquando) o seu conhecimento pelo corruptor ativo, a verdade é que o início do prazo prescricional, em ambas as modalidades do crime, não se verifica desde o dia da sua consumação formal. A lei, mais concretamente o n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal ao estatuir que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado não pode deixar de ser interpretado e aplicado como tendo em vista, em situações como a ocorrente nos autos, a consumação material do crime ou terminação. Como refere Jescheck[19], é de suma importância prática a distinção entre consumação formal e consumação material ou terminação. Há crimes cuja consumação formal não coincide com a consumação material ou termina- ção, como é o caso dos crimes de consumação antecipada (crimes de intenção, de perigo e de empreendimento), crimes em que a consumação se caracteriza pela sua estrutura interativa (crimes permanentes, crimes em dois atos e com pluralidade de atos individuais), crimes em que o resultado final ou global se obtém através de ações que não correspondem em sentido formal à descrição do respectivo tipo (destruição completa de edifício incendiado, colocação a salvo do objeto contrabandeado depois da passagem da fronteira), e crimes de unidade natural de ação e de ação continuada, sendo que o prazo para a perseguição penal (denúncia, queixa), tal como para efeitos de prescrição do crime, não se inicia enquanto não se verificar a sua terminação, ou seja, a consumação material. Aliás, a não ser assim, como bem se consignou no acórdão recorrido, permitir-se-ia que os arguidos conti- nuassem a praticar atos de execução do crime, continuando a pagar e a receber subornos em perfeita impunidade. Correr-se-ia o risco, no limite, de o crime já estar prescrito ainda antes da sua consumação material ou terminação, o que, obviamente, precludiria toda e qualquer possibilidade de perseguição e punição do criminoso, conduzindo não só à impunidade[20], como ao total descrédito do Estado de direito, em particular dos tribunais e da admi- nistração da justiça. Certo é pois que o prazo prescricional dos crimes de corrupção objeto dos autos só corre a partir da data do pagamento dos subornos ou do ato ou omissão contrário aos deveres do cargo do agente passivo do crime no caso de corrupção passiva antecedente. (…)» 23. Ora, considerando as passagens agora transcritas, será de adoptar entendimento inverso ao pugnado pelo Ministério Público, por ser de reconhecer que o tribunal recorrido, na resolução da questão prévia sobre a putativa prescrição dos procedimentos criminais relativos aos crimes de corrupção ativa julgados nestes autos, adotou o critério normativo segundo o qual o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é con- tado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem.
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