TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
407 acórdão n.º 90/19 125. Em síntese, o que o recorrente realmente contesta é a aplicação da interpretação normativa, por parte do douto tribunal a quo , ao caso concreto, consistente na inferição, por via dedutiva, de que a data da consumação do crime é, na situação sob escrutínio, a da ocorrência da efectiva entrega da vantagem prometida. 126. A acrescer ao apurado, e procurando rebater outra vertente da argumentação expendida pelo recorrente, a saber, que o crime seria imprescritível porque, na sequência da promessa de uma vantagem pode a efectiva entrega dessa vantagem ocorrer 50 anos depois, não se iniciando, entretanto, a contagem do prazo de prescrição, apenas poderemos concluir, ao contrário do, estranhamente, intuído pelo arguido, que ocorrendo uma promessa de van- tagem com vista à obtenção de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo de funcionário sem que aconteça (no prazo de 50 anos) a efectiva entrega de tal vantagem, o início da contagem do prazo prescricional dá-se, como em qualquer outro crime de corrupção ativa, no momento da consumação do crime, norma que ao ser concretizada determina que esse momento seja o da formulação da promessa. 127. Demonstramos, assim, adiantado a contestação ao primeiro bloco de argumentos apresentado pelo recor- rente que a interpretação normativa que vinha imputada à decisão do Supremo Tribunal de Justiça não implica a imprescritibilidade do crime de corrupção ativa mas também, e concomitantemente, que a dimensão normativa identificada pelo recorrente não só não é normativa (tanto mais que uma norma, porque geral e abstrata, nunca poderia prever como momento da consumação do crime, um facto – a entrega efetiva da vantagem prometida – que pode, ou não, ocorrer) como, inclusivamente, não constituiu o fundamento do decidido. 128. Sobre o pano de fundo da constatação de que a interpretação contestada não implica a imprescritibilidade do crime de corrupção ativa, eliminando, assim, a premissa fundamental do silogismo aportado pelo recorrente, passaremos a considerar as razões que nos levam a repudiar as conclusões por ele extraídas no seu primeiro bloco argumentativo. 129. Ora, conforme já procurámos demonstrar, a norma jurídica aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça é certa, precisa, previsível, produtora de segurança na vida jurídica e, consequentemente, compatível com o princípio constitucional do Estado de direito democrático, designadamente nas suas dimensões do princípio da proteção da confiança e do princípio da segurança jurídica. 130. Ou seja, e aprofundando o afirmado, estando em causa o resultado de um ato normativo – a dimensão normativa impugnada nos autos que sustentou a decisão do STJ –, para que, pertinentemente, fossem convocáveis os parâmetros de constitucionalidade invocados pelo recorrente (o princípio do Estado de direito, nas suas dimen- sões de princípio da proteção da confiança e de princípio da segurança jurídica), necessário seria que a norma sob suspeita restringisse, retroativamente, direitos ou interesses juridicamente protegidos. 131. Apura-se consequentemente, que, no caso vertente, não se configurando a questão proposta como de avaliação de uma qualquer norma jurídica retroativa nem, sublinhe-se, de qualquer interpretação normativa impre- visível, o princípio constitucional da segurança jurídica (ou, na sua dimensão subjetiva, o princípio da confiança dos cidadãos) não é, em nosso entender, convocável no contexto do debate suscitado pelo recorrente. 132. Não é, igualmente, convocável o princípio da proporcionalidade, ainda que numa duvidosa referência à sua “dimensão da necessidade da pena” e associação à restrição do “direito à liberdade consagrado no artigo 27.º da Constituição”. 133. Conforme vimos afirmando, e reiteramos, a interpretação normativa impugnada, distintamente do sus- tentado nas doutas alegações do arguido, não “autoriza a perseguição criminal e a consequente punição sem tempo e, por isso, a todo o tempo, mesmo quando a punição já não se revela capaz, por desnecessário, de cumprir nenhuma das finalidades que lhe conferem fundamento”. 134. Esta dimensão normativa, resultante da ponderação do legislador entre o direito dos cidadãos à liberdade e o interesse público na repressão da criminalidade, na perseguição dos infratores criminais e na promoção da paz social, conduziu à determinação da moldura penal abstrata aplicável aos autores do crime de corrupção ativa, ao estabelecimento do prazo de prescrição do procedimento criminal quanto a ele e, por fim, na parte agora relevante, à fixação do momento do início da contagem de tal prazo, a saber, a data da consumação do crime.
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