TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
401 acórdão n.º 90/19 RR. Assim, a partir do momento em que a promessa chega ao conhecimento do funcionário, a conduta típica do agente ativo preenche-se na sua totalidade, sob a forma de uma das alternativas configuradas na norma incriminadora, sendo que o sentido da ilicitude ínsito à “promessa”, porque esgota a conduta típica, torna, pura e simplesmente, desnecessária à imputação do crime a efetiva atribuição dessa vantagem. SS. Caso se entendesse que só com a entrega da última vantagem é que se consumava o crime, estar-se-ia a con- sagrar uma hermenêutica que não protege o bem jurídico aludido. A “autonomia intencional do Estado” é desde logo lesada a partir do momento em que a promessa é feita pelo corruptor ao corrompido. TT. Aceita-se, obviamente, que essa lesão do bem jurídico possa ser ampliada, com a efetiva entrega, mas isso ape- nas relevará como fator agravante da pena a aplicar aos agentes, mas nunca como marcador do tempus delicti. Assim, tudo o que se passa depois do momento em que se mercadeja o cargo, v. g. , as vicissitudes ulteriores atinentes ao “quanto”, ao “como”, ao “quando” ou ao “onde” das prestações e contraprestações, é completa- mente irrelevante para efeitos da completude do ilícito material típico, podendo apenas relevar, como fator de agravação de medida da pena, a levar em conta para efeitos do artigo 71.º, n. os 2 e 3, do Código Penal, mas nunca como momento estruturante para aferir da consumação. UU. É pois, a letra da Lei (da qual decorre a autonomia plena dos ilícitos de corrupção ativa e passiva e, bem assim, a alternatividade das duas condutas típicas – “der ou prometer”), reforçada pela teleologia da norma, que impede a sustentação da ideia segundo a qual, havendo promessa e subsequente dádiva, esta última ainda consubstancia um ato de execução típico do crime de corrupção ativa (ou o seu resultado) relevante para efeitos de consumação material. VV. Atente-se que a discussão não reside em saber se o crime de corrupção ativa deveria integrar alguma das cate- gorias de crimes em que, pela sua natureza, o momento consumação formal não coincide com o momento da consumação material ou terminação. A discussão reside, antes, em saber se essa qualificação é admitida pela letra da Lei. É que, independentemente da existência das categorias dogmáticas, a qualificação do crime faz-se, naturalmente, por referência ao tipo legal. WW. Ora, não tendo a interpretação normativa em causa, também nesta dimensão, qualquer expressão no texto da Lei, nem sendo sequer teleologicamente sustentada, e desfavorecendo o Arguido, sempre se terá de convir que a mesma é materialmente inconstitucional por violação do princípio da legalidade criminal. XX. Acresce que, face ao quadro normativo em causa, ninguém duvidará que o crime de corrupção ativa previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, é um crime prescritível, pelo que, a interpretação normativa objeto do presente recurso, que se traduz, na prática, numa situação de imprescritibilidade, também por isso, ultrapassa inquestionavelmente os limites da letra e do espírito da Lei, ferindo o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º da Constituição. YY. O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, é também violado pela interpretação normativa objeto do presente recurso, porquanto da mesma resulta um tratamento arbitrariamente desigual daquilo que é materialmente igual (e a qua Lei trata de forma igual). ZZ. Com efeito, o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação e em total respeito pelos limites impos- tos pelo princípio da igualdade, atribuiu às condutas típicas (“der ou prometer”) materialmente iguais previs- tas no artigo 374.º do Código de Penal, um sentido de ilicitude absolutamente equivalente, e, consequente- mente, um tratamento absolutamente equivalente. AAA. Porém, o intérprete distingue, sem qualquer fundamento material, onde a Lei (e bem) não distingue. Temos, pois, duas condutas típicas materialmente idênticas, que, apesar de a Lei não as distinguir, e apesar de não existir nenhuma “distinção objetiva” entre elas, recebem, por força da interpretação normativa em causa, tratamentos distintos sem que os mesmos se revelem “necessários, adequados e proporcionados à satisfação do seu objetivo”. BBB. Com efeito, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça conduzirá ao seguinte resultado: quando a prática do crime de corrupção ativa se traduza na dádiva da vantagem o prazo de prescrição começará no imediato momento em que a conduta típica se tem por verificada e se inicia a possibilidade de perseguição criminal (o momento da dádiva da vantagem), já quando o crime de corrupção ativa se traduza na promessa
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