TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

400 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prescrição se inicia no momento da consumação material, pois tal não está previsto na letra da Lei, nem se enquadra nos possíveis sentidos semânticos da mesma. Bem ou mal, foi essa a opção tomada pelo legislador no exercício legítimo da sua reserva de competência legislativa [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constitui- ção], opção que o Supremo Tribunal de Justiça terá naturalmente de respeitar, em obediência ao princípio da separação e interdependência de poderes (cfr. artigo 111.º da Constituição).  II. Mas, mesmo que se entenda que não viola o principio da legalidade criminal interpretar e aplicar o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal, no sentido pretendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que não se aceita e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, ainda assim, para se concluir pela conformidade constitucio- nal da interpretação objeto do presente recurso, ter-se-ia concomitantemente de concluir que a letra da Lei autoriza a qualificação do crime de corrupção ativa como um crime em que se verifique a referida dessintonia entre a consumação formal e a consumação material ou terminação.  JJ. Note-se bem que: não se trata aqui de propor ao Tribunal Constitucional que defina a natureza do crime de corrupção ativa, tipificado no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, nem de aferir se o legislador ordinário está constitucionalmente limitado na con- figuração do crime de corrupção ativa. KK. Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, pratica o crime de corrupção ativa quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consen- timento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida.  LL. Ou seja, nos termos da Lei, o crime de corrupção ativa para ato ilícito é – inquestionavelmente – um crime de execução instantânea, na medida em que faz depender a consumação do crime da realização de um único ato, coincidindo, por isso, o momento da consumação formal com o momento da consumação material. O facto de a Lei prever duas condutas típicas alternativas não apaga o que se acaba de dizer, na medida em que tais condutas típicas alternativas se esgotam ambas num único momento e não consubstanciam, nenhuma delas, atos de execução da outra, nem tão-pouco, o resultado pretendido pela outra.  MM. Assim, a consumação do crime de corrupção ativa dá-se num de dois momentos (e em cada caso apenas num deles): ou no momento em que a vantagem é prometida ao funcionário, ou, nas situações em que não há promessa prévia e a conduta típica se cinge à entrega da vantagem, no momento em que tal entrega ocorre.  NN. Essas duas condutas típicas (“der ou prometer”) têm um sentido de ilicitude absolutamente equivalente (daí que o legislador as tenha colocado numa relação de perfeita alternatividade). O legislador entendeu que ambas as modalidades típicas comportam idêntico potencial de ofensividade quanto ao interesse juridica- mente relevante e protegido pela norma, e que é determinante para a consumação do crime. Pelo que, no momento em que a primeira delas se verifique o tipo penal esgota-se e, consequentemente, ocorre a consu- mação (formal e material).  OO. Tal conclusão deriva da letra da Lei, onde o emprego da conjunção “ou” não pode deixar de significar a alternatividade das condutas típicas, ficando, consequentemente, vedado ao intérprete-aplicador a opção arbitrária de escolher, na hipótese de verificação cumulativa das duas condutas típicas, a que se tiver verificado em último lugar, para efeitos de determinação do momento da consumação do crime.  PP. Atenta a identidade, do ponto de vista da ilicitude, e a alternatividade perfeita entre as duas condutas típicas, a consumação dar-se-á no momento em que o bem jurídico é ferido, através de qualquer das condutas típicas alternativas que primeira ou unicamente se verificar, ou seja, in casu , no momento em que chegou ao conhe- cimento do funcionário a promessa veiculada pelo agente ativo.  QQ. Aliás, só este entendimento se quadra com o thelos da incriminação. É que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora da corrupção ativa para ato ilícito é a “autonomia intencional do Estado” e não o valor ou inte- resse porventura afetado pela conduta do funcionário a quem se dirige a peita, pelo que tal crime se consuma no ato e no exato momento em que a disponibilidade para “comprar” o ato do cargo chega ao conhecimento do funcionário, seja sob a forma de “promessa”, seja sob a forma de “dádiva”.

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