TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
398 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O. Refira-se ainda que a interpretação objeto do presente recurso sempre terá o efeito perverso de, senão premiar, pelo menos promover, a inércia do Estado no exercício do poder punitivo. P. Em suma: a interpretação normativa em causa, na medida em que permite uma dilação excessiva e ( ex ante ) indeterminável entre o momento em que a conduta típica é praticada pelo seu agente – momento em que o crime se consuma e se inicia a sua perseguição criminal –, e o momento em que se inicia o prazo de prescrição, promovendo, assim, a incerteza e insegurança jurídicas, permitindo que a ação penal seja exercida quando já não se revela necessária, e inviabilizando o alcance da paz jurídica, quer na sua dimensão individual, quer na sua dimensão colectiva, não poderá deixar de ser julgada materialmente inconstitucional, por atingir o núcleo essencial de princípios e valores constitucionais estreitamente ligados à própria ideia de Estado de direito. Q. A interpretação normativa em causa viola, do mesmo passo, o princípio da legalidade em matéria criminal, com consagração nos artigos 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, incorrendo também com este fundamento em inconstitucionalidade material. R. Previamente, importa referir que a questão agora suscitada pelo recorrente enquadra-se nos poderes de cogni- ção do Tribunal Constitucional, por estar em causa a apreciação de uma norma (geral e abstrata) que é, por isso mesmo, suscetível de controlo por parte do Tribunal Constitucional, conforme os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 183/08, n.º 591/12, n.º 324/13. S. Pois que, o Tribunal Constitucional, por forma a assegurar que os tribunais comuns não possam criar nor- mas em matérias constitucionalmente reservadas ao legislador, como sucede com o direito penal e o direito fiscal (artigos 29.º e 103.º da Constituição), tem vindo a admitir conhecer das questões relacionadas com a interpretação judicial das normas penais ou fiscais, desde que as mesmas se cinjam a aferir se a interpretação normativa encontra, ainda, correspondência texto da Lei. T. Importa também notar que ainda que se entendesse que as normas sobre prescrição têm natureza meramente processual (que não têm), tais normas estariam, ainda assim, sujeitas ao princípio da legalidade criminal, princípio que, tal como tem vindo a ser sucessivamente afirmado pela doutrina e jurisprudência constitucio- nal tem hoje aplicação tanto no domínio do direito penal substantivo como processual. U. Pois bem: a interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso: (i) extravasa o sentido possível das palavras da Lei, e (ii) desfavorece o Arguido. V. Para se perceber que assim é impõe-se um prévio exercício de decomposição da interpretação normativa obje- to do presente recurso. Assim, começaremos por averiguar se é conforme o princípio da legalidade criminal a interpretação do artigo 119.º, n.º 1, do Código de Penal, na versão posterior à entrada em vigor do Decreto- -Lei n.º 48/95, de 15 de março, de acordo com a qual o momento a ter em conta para o início da contagem do prazo é o da consumação material ou terminação, e, seguidamente, averiguaremos se é compatível com o princípio da legalidade criminal a interpretação do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na versão posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, segundo a qual quando exista promessa previa- mente à entrega da vantagem, a consumação material do crime só ocorre com entrega da última vantagem. W. Quanto à primeira dimensão: contrariamente ao que o Supremo Tribunal de Justiça pretende fazer crer, o legislador penal não desconhece a distinção doutrinária entre o momento da consumação formal e o momen- to da consumação material, não lhe sendo sequer indiferente. De outra sorte, o legislador penal atribuiu-lhe expressamente, sempre que assim o entendeu, significado normativo-prático. X. Prova disso mesmo é o facto de o legislador apesar de estabelecer no n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal a regra geral segundo a qual o prazo de prescrição do procedimento criminal se inicia no dia em que o facto se tiver consumado, consagrou, nos n. os 2 e 4 do mesmo preceito legal, excepções a tal regra que revelam, justamente, o relevo atribuído a tal distinção, na medida em que nos casos aí abrangidos a prescrição inicia-se com a consumação material do crime. Y. Não faz, por isso, qualquer sentido sustentar, como sustenta o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão recorrido, que a referência feita no n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal tem de ser interpretada como dizendo respeito à consumação material ou terminação. É que se assim fosse, as excepções previstas nos n. os 2 e 4 seriam completamente desprovidas de sentido útil, na medida em que, o que resulta das mesmas é que,
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