TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

397 acórdão n.º 90/19 indeterminação do dies a quo do início do prazo prescricional, indeterminação essa que era passível de se prolongar ad infinitum, não obstante a conduta ilícita já ter há muito ocorrido. Não existindo assim, verda- deiramente, qualquer barreira temporal à perseguição criminal, o que restringe, de forma incomportável, a segurança jurídica que deve – tem de – vigorar num Estado de direito. G. Ou seja, verificar-se-ia a situação em que o crime se teria por consumado e, por isso, poderia ser perseguido criminalmente, mas o prazo de prescrição só se iniciaria num momento posterior indefinido e indefinível. O que, para além de violar o núcleo dos princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, colide também, necessariamente, com o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, postulado desses mesmos princípios, pois que da referida interpretação normativa não resulta uma disciplina suficiente- mente concreta. H. Por força da referida interpretação normativa, quando o crime de corrupção ativa se traduza na promessa de vantagem não é possível nunca afirmar-se que o crime se encontra prescrito definitivamente, ficando apenas condicionalmente prescrito desde o termo do prazo de prescrição contado da data da promessa de vantagem até à ocorrência do evento futuro e incerto, que determinará o novo início do prazo de prescrição, que é a entrega do suborno. Criando-se, assim, na realidade, a figura da prescrição sob condição resolutiva, o que se traduz, na prática, na existência, contra legem , de crimes de corrupção ativa imprescritíveis. I. Ora, uma tal indeterminabilidade, insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica – quer na sua dimen- são individual quer na sua dimensão colectiva –, que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, mostra-se absolutamente incompatível com os princípios do Estado de direito, da proteção da confiança e da segurança jurídicas. J. Sendo que o facto de o Arguido, após ser perseguido criminalmente pelos factos praticados, tomar conheci- mento do evento determinante para o início da contagem do prazo não assume qualquer relevância do ponto de vista da desconformidade constitucional de tal interpretação normativa com os princípios da proteção confiança e da segurança jurídicas. Com efeito, de tais princípios constitucionais, emerge a necessidade de o agente do crime (e da própria sociedade), mediante um juízo de prognose efectuado ex ante , poder prever, de forma precisa, as consequências jurídicas (em sentido amplo) das suas condutas, onde se inclui, naturalmente, o início e o termo do prazo durante o qual o Estado poderá exercer, contra ele, o seu poder punitivo. K. A referida interpretação normativa viola ainda o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão da neces- sidade da pena, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, porquanto, como se viu, autoriza a perseguição criminal e a consequente punição sem tempo e, por isso, a todo o tempo, mesmo quando a punição já não se revela capaz, por desnecessária, de cumprir nenhuma das finalidades que lhe conferem fundamento consti- tucional, na medida em que o decurso do tempo atenua (e, nalguns casos apaga por completo) as exigências de prevenção geral e especial, esbate a censura comunitária traduzida no juízo de culpa e restabelece a paz jurídica.  L. Consubstanciando as penas uma privação ou sacrifício de direitos fundamentais ( maxime , do direito à liber- dade), por força do princípio da proporcionalidade, as mesmas só serão constitucionalmente admissíveis quando adequadas, necessárias e proporcionadas à proteção de determinado direito ou interesse também constitucionalmente protegido e essa proteção não possa ser, de modo suficiente e adequado, garantida por outra via. M. Isto é, toda e qualquer pena criminal só será admissível até ao exato momento em que se revele necessária para satisfazer as finalidades das penas. Deixando essas finalidades de subsistir, deixará também a pena, enquanto verdadeira restrição aos direitos fundamentais, de ser constitucionalmente fundada. O que se revela tanto ou mais importante, quando estão em causa, como acontece in casu , restrições a direitos tão fundamentais como o direito à liberdade (cfr. artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa). N. Ora, aplicando o que se disse ao caso concreto, a interpretação normativa em causa, na medida em que perpetua, sem termo, e independentemente da subsistência das finalidades da punição, a possibilidade de desencadear a ação penal, redundando, na prática, na imprescritibilidade do crime de corrupção ativa, colide com o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão da necessidade da pena.

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