TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

391 acórdão n.º 90/19 § 141 e §154, da mesma peça processual (corrigidas conforme requerimento que deu entrada em 14 de dezembro de 2015 e foi admitido por despacho de 6 de fevereiro de 2016). II. – Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie 6. As normas penais contidas nos artigos 372.º, n.º 1, e 374.º, n.º 1, ambas do Código Penal, na versão resul- tante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, interpretadas e aplicadas no sentido, genérico e abstrato, segundo o qual a prática de um ato contido nos poderes discricionários do funcionário que haja atuado motivado pela promessa do pagamento de um suborno se traduz na prática de crime de corrupção para ato ilícito.  6.1. Sobre esta matéria, o Acórdão recorrido de 21 de março de 2018 diz o seguinte: “Decidindo, dir-se-á que a corrupção própria distingue-se da imprópria, com claramente resulta da letra da lei, tendo por referência os deveres do cargo exercido pelo agente passivo do crime. Se o ato praticado se mostra conforme aos deveres do cargo estaremos perante corrupção imprópria, ao invés, caso estejamos perante ato contrário aos deveres do cargo estaremos face a corrupção própria (…) independentemente da ultrapassagem da esfera de discricionariedade, o ato dever-se-á considerar ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância, fundada num vício que, segundo terminologia tradicional, se designa desvio de poder (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo (1980), 506- 12 e Afonso Queiró, O Poder Discricionário da Administração (1944), e ID., BFDC XLI (1966), quando o agente se deixou influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gra- tificação (ou a respectiva promessa) não tivesse ocorrido, sendo que só se estará perante corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, isto é, não interferiu no uso dos seus poderes discricionários” (cfr. pp. 325 e 326 do Acórdão recorrido de 21 de março de 2018). Da passagem supra citada do Acórdão recorrido de 21 de março de 2018 não resulta qualquer dúvida de que o Supremo Tribunal de Justiça sufragou a interpretação normativa (genérica e abstrata) dos artigos 372.º, n.º 1, e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, no sentido segundo o qual a prática de um ato contido nos poderes discricionários do funcionário que haja atuado motivado pela promessa do pagamento de um suborno se traduz na prática de crime de corrupção para ato ilícito (corrupção própria), verificando-se uma total identidade normativa entre a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade o Arguido A. suscita e a interpretação normativa que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão recorrido de 21 de março de 2018, fez de tais normas. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça concluído que o Arguido A. praticou crimes de corrupção para ato ilícito (corrupção própria) justamente com base em tal interpretação normativa, o que decorre de forma expressa do seguinte trecho do Acórdão recorrido de 21 de março de 2018: “Perante este quadro factual, ao contrário do alegado pelos arguidos B. e A., não podemos deixar de con- cluir no sentido da ocorrência de corrupção própria, uma vez que é patente em todas as situações ora em apre- ciação os agentes passivos se terem deixado influenciar pela dádiva proposta pelo arguido A., o que decorre da circunstância de todos eles, devido à proposta de gratificação, terem escolhido e proposto a Sociedade Nacional de Leilões (SNL), conclusão que, obviamente não viola qualquer princípio constitucional, nomeadamente o princípio da legalidade” (cfr. p. 330 do Acórdão recorrido de 21 de março de 2018). Fica assim demonstrado, de forma incontestável, a efectiva aplicação no Acórdão recorrido de 21 de março de 2018 da interpretação normativa cuja constitucionalidade o Arguido suscita, porquanto a mesma constituiu a

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