TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

388 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da responsabilidade penal do indivíduo; o facto de a interpretação normativa em crise ter sido adotada com o desiderato de identificar o facto relevante para a determinação do início do prazo de prescrição dos procedimentos criminais não prejudica a sua sindicância ao abrigo do princípio da legalidade cri- minal, encontrando-se consolidado na jurisprudência deste Tribunal o entendimento de que os efeitos dessa norma de princípio alastram-se ao direito penal adjetivo. IV - O elemento literal do tipo previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, assenta na previsão de duas proposições ligadas por uma conjunção disjuntiva, exprimindo, nesta exata medida, uma dupla hipótese de preenchimento («der ou prometer»); no entendimento do legislador basta a promessa para que o crime seja dado por consumado, independentemente de a ela se seguir a entrega efetiva da “coisa prometida”; a “entrega” não constitui, pois, um elemento necessário do tipo; a letra da lei tipifica a “promessa” enquanto conduta que satisfaz plenamente a previsão normativa, pelo que os efeitos jurí- dicos decorrentes da estatuição não ficam dependentes da entrega da vantagem nem da sua aceitação; assim sendo, a interpretação normativa em escrutínio nos presentes autos não beneficia de respaldo na letra da lei do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal. V - O mesmo se pode dizer quanto à invocação do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 119.º do mesmo Código que, na parte que se refere ao momento da consumação depende necessa- riamente do modo como dado crime se encontra legalmente tipificado, não se encontrando nesse preceito qualquer elemento textual que apoie entendimento normativo contrário ao que resulta da leitura do artigo 374.º, n.º 1, Código Penal; o elemento literal constante do n.º 1 do artigo 119.º não permite, por si, a afirmação de que mesmo que exista promessa da atribuição de vantagem, o início do prazo de prescrição do procedimento criminal relativo a crimes de corrupção ativa deve ser adiado até à entrega do “último suborno”; pelo contrário, se, nos termos do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal, o crime de corrupção ativa é tido por consumado com a promessa de entrega e, nessa exata medida, o agente já se encontra sujeito a perseguição criminal pela prática desse crime, então o início do prazo de prescrição acompanhará o momento do preenchimento do tipo. VI - O princípio da legalidade criminal não deixa espaço para interpretações que contrariem o elemento literal do tipo, em especial quando essas são realizadas em sentido desfavorável ao arguido; o princípio da legalidade criminal verá a sua aplicação reforçada nos casos em que “funcione” como garantia do arguido, ou seja, sempre que a ultrapassagem do sentido semântico da norma criminal funcione con- tra o arguido. VII - Se de acordo com o expressamente enunciado pelo legislador, o bem jurídico protegido no crime de corrupção ativa é violado com a promessa de entrega da vantagem indevida e não necessariamente com a entrega dessa vantagem, o princípio da legalidade criminal encontra-se irremediavelmente comprometido pela adoção da interpretação normativa, desfavorável ao arguido, segundo a qual o iní- cio do prazo de prescrição do crime de corrupção ativa deve ser retardado para o momento da entrega da coisa indevida, em detrimento do início da sua contagem com a promessa de entrega.

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