TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
386 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL definimos apenas pelo conhecimento daqueles de quem descendemos, mas também pelo reconhecimento da nossa descendência. Ora, nessa perspetiva, mesmo admitindo que a verdade biológica não é um valor constitucional absoluto – até porque não existem valores constitucionais absolutos – não encontro razões bastantes para justificar uma restrição ao acesso aos meios legais de tutela daquele direito fundamental. Desde logo, porque da forma como entendo o princípio da separação de poderes a reserva de pondera- ção a que aquele valor está sujeito é, por definição, uma reserva de ponderação judicial, e não pode ser subs- tituída por uma decisão do Ministério Público que, por maior que seja a sua autonomia, apenas é suscetível de controlo hierárquico. Mas, sobretudo, porque o valor da estabilidade conjugal que é recorrentemente invocado como ratio legis daquela restrição não é suficientemente forte para prevalecer sobre o reconhecimento dos vínculos bio- lógicos que contribuem para a definição da identidade pessoal, tanto do progenitor como do filho. E nem aquele valor, pelo menos não da forma como tem sido, e como foi entendido neste acórdão, encontra apoio numa interpretação atual dos conceitos constitucionais de família e de casamento. Não é certamente esta a sede própria para fazer um juízo global sobre a conformidade constitucional dos conceitos de família e de casamento plasmados no Código Civil de 1966, mesmo à luz da já também desatualizada reforma de 1977, mas creio que se deve reconhecer que a vitalidade da instituição matrimo- nial, tanto no plano jurídico, como social, depende menos da sua salvaguarda formal do que da criação de condições substanciais para o seu fortalecimento. O que causa dano à harmonia e à paz familiar não é o exercício do direito de propor uma ação de impug- nação da paternidade, mas sim, como é evidente, a realidade factual em que assenta o direito cuja tutela se persegue. E tornar o casamento imune à descoberta da verdade, assentando-o sobre uma mentira, não é certamente a melhor forma de defender a instituição. – Claudio Monteiro. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 27 de março de 2019. 2 – Os Acórdãos n. os 409/99, 486/04 e 11/05 es tão publicados em Acórdãos, 44.º, 60.º e 61.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n . os 23/06, 589/07 e 279/08 e stão publicados em Acórdãos, 64.º, 70.º e 72.º Vols., respetivamente. 4 – Os Acórdãos n o s 593/09, 179/10 e 446/10 e stão publicados em Acórdãos, 76.º, 78.º e 79.º Vols., respetivamente. 5 – Os Acórdãos n. os 401/11 e 634/11 e stão publicados em Acórdãos, 82.º Vol.. 6 – Os Acórdãos n. o s 441/13, 546/14 e 309/16 e stão publicados em Acórdãos, 87.º, 90.º e 96.º Vols., respetivamente. 7 – Os Acórdãos n. os 157/18 e 308/18 e stão publicados em Acórdãos, 101.º e 102.º Vols., respetivamente.
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