TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

385 acórdão n.º 89/19 Ora, considerando o objetivo prosseguido pelo legislador com a solução normativa ora sindicada, a de proteger a família constituída contra a intromissão direta e incontrolada de pessoas que lhe são estranhas, impõe-se com evidência a conclusão de que há uma razão fundada na diferente posição relacional que o pre- tenso progenitor e o presumido pai assumem face ao núcleo familiar que objetivamente justifica a diferença de regime denunciada pelo recorrente. Enquanto o pretenso progenitor é, para todos os efeitos, um terceiro em relação à família conjugal, o presumido pai faz parte dela, é seu elemento pessoal integrante. Uma iniciativa processual diretamente desencadeada por este último no sentido da extinção da rela- ção de filiação, de que por força do funcionamento da presunção de paternidade é titular, torna evidente ou patente a existência de uma crise familiar prévia, gerada no seu próprio interior, que o legislador optou por não conter, pelo menos até determinado prazo. Neste caso, a instauração da ação dirigida à extinção da relação jurídica de filiação não só decorre da opção do seu titular, como revela a desagregação da unidade familiar e a perda ou ausência do seu suporte sócio-afetivo, cuja verificação é pressuposto de aplicação da medida legal de proteção em causa. Diferentemente, a atribuição de legitimidade processual ao pretenso progenitor para intentar a ação de impugnação, cujos efeitos extintivos operam sobre a relação jurídica de filiação estabelecida entre terceiros, que integram uma família que não é a sua, pode objetivamente provocar a destruição do núcleo familiar, ser causa externa, e não mero reflexo, da desagregação do cimento sócio-afetivo que une os respetivos membros. Por isso, justifica-se que não se lhe reconheçam os mesmos poderes de agir que são conferidos ao pre- sumido pai. III – Decisão Termos em que se decide: a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 1838.º, 1839.º, n.º 1, e 1841.º do CC, na interpretação segundo a qual o pretenso progenitor não tem legitimidade ex novo para afastar a presunção do marido da mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, só podendo intervir processualmente através do Ministério Público e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido. b) Negar, em consequência, provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta. Lisboa, 6 de fevereiro de 2019. – João Pedro Caupers – José Teles Pereira – Maria de Fátima Mata-Mouros – Claudio Monteiro (vencido, conforme declaração de voto junta) – Manuel da Costa Andrade. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido por entender que os artigos 1838.º e 1839.º, n.º 1, do Código Civil, quando interpreta- dos no sentido de que o pai biológico não tem legitimidade para propor uma ação de impugnação da pater- nidade presumida, violam o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP. Com efeito, o artigo 20.º, n.º 1, da CRP assegura a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o que implica que a cada direito – e muito em especial a cada direito fundamental – tem de necessa- riamente corresponder uma ação. E o reconhecimento legal da paternidade é inequivocamente um elemento integrante do conteúdo do direito à identidade consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP. Nós não nos

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