TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No termo da instrução do processo de averiguação preliminar, o Ministério Público emite decisão sobre a inviabilidade da ação de impugnação da paternidade, ou, concluindo pela viabilidade, propõe a ação de impugnação (artigo 62.º, n.º 1). Ora, a opção de atribuir ao Ministério Público a competência para a instrução e condução do processo preliminar em causa, órgão cujo perfil estatutário e funcional é modelado pela prossecução do interesse público e pela defesa dos interesses das crianças, constitui, só por si, uma garantia de cariz institucional de que a averiguação em causa será feita de modo a proteger a família a que se dirige a pretensão impugna- tória do pretenso progenitor. Por outro lado, a atribuição de caráter secreto ao processo, conjugada com a expressa injunção de que este decorra de forma a evitar ofensa à reserva e à dignidade das pessoas, assegura a reserva e contenção exigíveis ao melindre das questões suscitadas, com efeitos evidentes ao nível da efetiva salvaguarda da privacidade e paz familiar. Finalmente, a expressa proibição de intervenção de mandatários judiciais impede a formalização e antecipação processual do litígio, contribuindo também para minimizar os efeitos desestabilizadores que, na perceção dos sujeitos envolvidos, a mera existência de um processo em tribunal provoca. A ideia central que está subjacente a todo o processado é, pois, a de minimização de danos familiares até se ter a certeza de que a pretensão impugnatória do pretenso progenitor é fundada e consistente, assistindo ao Ministério Publico para o efeito o poder de desencadear qualquer diligência probatória legalmente admi- tida. Não o sendo, o Ministério Público decide no sentido da inviabilidade da ação de impugnação e não a instaura. Desse modo, impede-se que motivações juridicamente inaceitáveis ou pretensões infundadas ou inconsistentes tenham prosseguimento processual, garantindo-se também a final a realização das finalidades cautelares acima descritas. Ora, não se descortina que houvesse meios menos onerosos para a defesa dos direitos fundamentais do pretenso progenitor de atingir um tal resultado garantístico. Finalmente, há que convir que o nível de compressão produzido pela solução normativa em apreciação não é excessivo. Como acima sublinhado, o pretenso progenitor continua a poder fazer valer em juízo os seus direitos fundamentais; só não o pode fazer diretamente nem de forma inconsistente, mas por intermédio do Ministério Público e depois de reconhecida a viabilidade da ação, solução que não se mostra desproporcio- nada ou excessiva em relação aos fins de tutela constitucional acima enunciados. De facto, verificando-se uma tal condição, a da viabilidade da ação de impugnação, o Ministério Público é obrigado a instaurá-la (artigo 62.º, n.º 1); em caso de procedência, o pretenso progenitor que confirme a paternidade poderá, desde logo, lavrar termo de perfilhação perante o Ministério Público (artigo 64.º), ficando, pois, assegurados a partir desse momento os direitos parentais que lhe assistem em relação ao filho. 8. Sustenta, ainda, o recorrente, em diferente plano de argumentação, que a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. A seu ver, «inexiste qualquer razão ponderosa que justifique a dualidade de tratamento entre o pai presumido e o pretenso progenitor (…). Ao pai presumido assiste legitimidade ativa ex novo para impugnar a presunção de paternidade e ser declarado como não sendo o pai biológico. Ao pretenso pai (…) nega-se legitimidade ex novo para impugnar a presunção de paternidade e ser reconhecido como pai biológico. A protecção da família, no sentido plasmado no art. 67.º da CRP, não justifica essa dualidade de tratamento. De resto, se a protecção da família justificasse a negação da legitimidade ao pretenso pai, haveria de, igualmente, negar a legitimidade ao presumido pai». Mas também neste ponto não lhe assiste razão. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sustentado, «o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções»; apenas proíbe «a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desi- gualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional» (Acórdãos n. os 409/99, 157/18 e 308/18).
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