TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

383 acórdão n.º 89/19 seja por via da perfilhação, seja por via da investigação oficiosa da paternidade – mesmo contra a vontade dos membros da família constituída e os interesses de integridade familiar que se lhe pudessem opor. Aliás, decorre do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 1841.º – que, relembre-se, não integra o objeto do presente recurso – uma ideia de urgência ou máxima aproximação da impugnação da paternidade por iniciativa do pretenso progenitor ao momento do nascimento do filho, que visa precisamente assegurar que a relação sócio-afetiva da filiação se forme e desenvolva desde o princípio com o efetivo progenitor e não com aquele que a lei presume como tal. O que a lei não quer é a interferência perturbadora de terceiros no seio de uma família constituída sem que haja séria razão justificativa para tal. Por isso, apenas confere legitimidade processual direta aos membros da família, permitindo-lhes pôr termo a uma relação jurídica em que estão diretamente envolvidos, e condi- ciona a intervenção daquele que se arroga a qualidade de pai biológico à mediação processual do Ministério Público e a um controlo prévio de viabilidade da ação a intentar por este último, por impulso daquele. O impacto restritivo que decorre dessa solução normativa para a esfera jurídico-constitucional do pre- tenso progenitor encontra justificação na defesa da integridade e estabilidade da família constituída e nos mesmos direitos fundamentais que o recorrente invoca para legitimar, no plano constitucional, a possibili- dade de intentar diretamente e sem controlo prévio de viabilidade a ação que visa destruir o vínculo jurídico da filiação entre o filho e o presumido pai. Valem aqui de pleno as razões pelas quais o Tribunal Constitucional, na jurisprudência citada (cfr. ponto 4. supra ), não julgou inconstitucionais as restrições decorrentes do estabelecimento dos prazos de caducidade vigentes para a impugnação da paternidade presumida. Tal como aí se defendeu, os vínculos de filiação protegidos pela Constituição são também aqueles que se estabeleceram por força do funcionamento da presunção pater is est quoad nuptias demonstrant, impondo-se, nesse contexto, a consideração do substrato sócio-afetivo que normalmente está subjacente à relação jurídica que se estabeleceu nesses termos. Por outro lado, a Constituição não impõe apenas a proteção da família unida por laços biológicos; no âmbito de tutela do n.º 1 do artigo 67.º da Lei Fundamental cabe também a família que, no pressuposto da verdade da presunção de paternidade, se construiu, desenvolveu e uniu em torno de valores e interesses comuns. Se é certo que assiste ao pretenso progenitor o direito fundamental de ver reconhecido e estabelecido o vínculo jurídico de filiação e de constituir uma família, a verdade é que, no polo oposto, existe já uma família concreta em que o alegado filho biológico está inserido e donde recolhe a sua base e referência de apoio. E é para defesa da estabilidade deste núcleo familiar concreto, e não de valores abstratos de segurança jurídica, que a lei impõe a existência de um reconhecimento prévio de viabilidade da ação de impugnação e reserva a instauração desta última ao Ministério Público. Ora, ponderando o fim de proteção que a norma sindicada pretende atingir e o meio adotado para o alcançar, é de concluir que existe entre um e outro a relação de adequação e necessidade que o princípio constitucional da proporcionalidade impõe, não decorrendo, por outro lado, da fórmula de compromisso adotada pelo legislador consequências excessivas ou intoleráveis para a esfera jurídico-constitucional do pre- tenso progenitor (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Quanto à adequação e necessidade do meio usado para garantir a tutela desse valor constitucional, importa especialmente atentar na forma como a lei regula o processo de averiguação cujo fim é precisamente o de verificar se a ação de impugnação da paternidade que o pretenso progenitor pretende ver instaurada é viável. Nos termos do n.º 1 do artigo 60.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o regime geral do processo tutelar cível, a instrução dos processos de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade incumbe ao Ministério Público. Trata-se de um processo com caráter secreto, que deve ser conduzido «por forma a evitar ofensa à reserva e à dignidade das pessoas (artigo 61.º, n.º 1, do mesmo diploma legal) e em que não podem intervir mandatários judiciais, sem prejuízo de as pessoas convocadas nesse âmbito poderem fazer-se acompanhar por advogado (n.º 2).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=