TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
379 acórdão n.º 89/19 4. Se concluir pela viabilidade da ação, o tribunal ordenará a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente para a ação da impugnação.» Apesar de a jurisprudência constitucional não ter apreciado, como referido, a inconstitucionalidade de quaisquer das normas acima transcritas, delas retirou, contudo, referências de sentido concordantes com a opção tomada pelo legislador em matéria de prazos de caducidade das ações de impugnação da paternidade. Com efeito, apreciando de forma integrada o regime legal consagrado para essa específica categoria de ações impugnatórias, o Acórdão n.º 589/07, acima referido, sublinhou que o interesse da proteção da família conjugal não justifica apenas o estabelecimento de prazos de caducidade das ações de impugnação da paternidade; é também esse mesmo interesse que «explica que um terceiro (pretenso progenitor) não tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção da paternidade do marido mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir processualmente através do Ministério Público (…) e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido (artigo 1841.º do Código Civil). O direito de impugnação da paterni- dade está, assim, apenas na disponibilidade direta dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a ação». A atribuição do direito de impugnação direta apenas aos membros da família conjugal, por um lado, e a solução que, nesse pressuposto restritivo de legitimação, admite a extinção do direito de ação, por decurso do prazo, por outro, realizam, pois, ainda que em planos distintos, a finalidade comum de preservação dos vínculos sócio-afetivos estabelecidos no seu seio, colocando na esfera da livre opção apenas dos respetivos sujeitos – que integram o núcleo familiar –, e por um tempo pré-definido, a instauração da ação que se des- tina a ilidir a presunção de paternidade biológica que baseou a constituição desses vínculos sócio-afetivos e anima o seu desenvolvimento ao longo do tempo. Conjugando esses dois elementos normativos, concluiu-se nesse mesmo acórdão não estar sequer excluído «que a situação de discrepância entre a paternidade presu- mida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paternidade presumida», o que ocorrerá se nenhum deles, podendo fazê-lo, intentar em prazo a competente ação impugnatória. Esse parece ser um dado consensual na doutrina. Referindo-se especificamente à norma, ora sindicada, do n.º 1 do artigo 1839.º do CC, que confere àquele que se declara pai natural o direito de requerer ao tri- bunal a impugnação da paternidade presumida, nos termos do artigo 1841.º, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira explicam que a lei «não achou curial a impugnação autónoma e incontrolada do terceiro porque a concessão de uma legitimidade plena significaria a intromissão de um estranho, (…), no seio da família, intervenção sempre grave, mesmo quando acabasse por ser considerada improcedente», considerando que a causa de pedir assenta em factos que interferem seriamente na relação conjugal da mãe e do presumido pai. Porém, como atestam os mesmos autores, «já se considerou admissível a mera iniciativa dele fortemente condicionada por uma averiguação prévia, feita pelo tribunal, sobre a viabilidade da ação impugnatória, ação esta intentada e mantida pelo Ministério Público. O papel do terceiro, reduzido à simples iniciativa de todo o processo, não repugna, e o controlo feito pelos órgãos jurisdicionais garante a família conjugal contra a possível leviandade ou má fé. Assim, a legitimidade ativa que o artigo 1841.º confere ao Ministério Público surge como um expediente, um modo de atenuar ou anular os inconvenientes resultantes de uma legitimi- dade formal e plena atribuída ao terceiro que se declara pai do filho cujo estado pessoal se discute e a quem o legislador, por outro lado, quis conferir algum poder de iniciativa nesta discussão» ( Curso de Direito da Família , Volume II, Coimbra Editora, 2006, p. 126). É, pois, em função dessa finalidade específica, a de proteger a família constituída contra a ingerên- cia perturbadora de terceiros, que se deve compreender e avaliar a conformidade constitucional da opção tomada pelo legislador nas normas sindicadas, tal como foram interpretadas pelo tribunal a quo. 6. O recorrente, invocando a qualidade de pai biológico, alega, no presente recurso, que a solução res- tritiva consagrada nas normas dos artigos 1838.º, 1839.º, n.º 1, e 1841.º, n.º 1, do CC, viola o (seu) direito
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