TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
377 acórdão n.º 89/19 Contudo, tal como também se entendeu nos mencionados acórdãos a respeito do direito do marido da mãe de impugnar a sua paternidade presumida, considerou-se neste aresto que o direito fundamental à iden- tidade pessoal da mãe, assegurado pelo correspondente direito de ação, não é absoluto, devendo ponderar-se, no juízo sobre a constitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 1848.º do CC, os «outros direitos ou interesses» que o estabelecimento do prazo de caducidade nela previsto pretende proteger: o direito à identidade pessoal do próprio filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) e o interesse da proteção da família constituída (artigo 67.º da CRP), um e outro a «[pesar] «no sentido da estabilização do vínculo paterno-filiar após o decurso de um certo prazo». Nessa ponderação, reconheceu-se que o estabelecimento do prazo de caducidade previsto na referida norma legal se traduzia na «afectação negativa de uma posição jurídica subjectiva que a CRP tutela no artigo 26.º, n.º 1»; «não se [tratava], porém – concluiu-se – de uma afectação desnecessária à salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegidos, face ao direito à identidade pessoal do próprio filho e ao interesse da protecção da família constituída (artigos 26.º, n.º 1, 67.º e 18.º, n.º 2, da CRP)». Por outro lado, apelando à adequação imposta pela posição relacional específica da mãe relativamente à relação de filiação que a ação de impugnação da paternidade atinge, quando por si intentada, considerou-se, ainda, na perspetiva já antes defendida no Acórdão n.º 446/10, que a afetação do direito à identidade pessoal da mãe, decorrente da imposição legal do sindicado prazo de caducidade, também não era valorativamente equiparável, nem à afetação do direito à identidade pessoal do filho, nem à afetação do direito à identidade pessoal do presumido pai, sendo certo que «na ação intentada pela mãe a autora surge na veste de terceiro relativamente ao vínculo da filiação em questão, o que faz pesar ainda mais o interesse da protecção da família constituída e o direito à identidade pessoal do próprio filho». A jurisprudência constitucional acima sumariada centrou a sua apreciação, como se vê, na ponderação dos direitos e valores especificamente tutelados pelas normas que estabelecem os prazos de caducidade das ações de impugnação da paternidade, aí sindicadas, e das consequências que o decurso deste prazo provoca na esfera jurídico-contitucional da mãe e do marido desta. Como sublinhado, considerou-se, nessa juris- prudência, que a particularidade jurídico-processual dessa especial categoria de ações, atentos os seus efeitos extintivos, não permitia transpor para este campo normativo as razões determinantes das decisões de incons- titucionalidade proferidas acerca dos prazos de caducidade previstos para as ações de investigação de pater- nidade instauradas pelo filho, que não tinham como factor de compressão valorativa as relações familiares de facto normalmente subjacentes a uma paternidade previamente reconhecida pelo Direito, ainda que por efeito do funcionamento de uma presunção legal. Porém, quando o problema de inconstitucionalidade se colocou em relação às ações de impugnação da paternidade instauradas pelo filho, a ponderação efetuada pelo Tribunal Constitucional já se aproximou daquela que havia sido feita a respeito dos prazos de caducidade nas ações de investigação da paternidade, como se dá conta no Acórdão n.º 309/16. Com efeito, por razões substancialmente idênticas às que deter- minaram o julgamento de inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 14/2009 (cfr., em especial, Acórdãos n. os 486/04, 11/05 e 23/06), os Acórdãos n. os 609/07, 279/08 e 546/14 vieram a julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) , do CC, na redação anterior a essa lei, «na parte em que prevê [previa] para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe». Na base dessa aproximação argumentativa esteve já o reconhecimento de que, sendo autor o filho, a ação de impugnação da paternidade se apresentava como instrumental à ação de investigação de paternidade, assumindo-se, pois, «como um mecanismo essencial no iter processual que o impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência», de modo que a caducidade daquela «cercearia, em definitivo, o direito de o filho ver reconhecida a paternidade biológica».
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