TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

375 acórdão n.º 89/19 assume em relação ao núcleo familiar a posição de terceiro. Adiante voltaremos a este ponto, que é o centro do debate suscitado no processo que deu origem ao presente recurso. Por outro lado, regulando já a questão do tempo de exercício do direito de ação reconhecido aos mem- bros da família constituída, a lei estabelece diferentes prazos de caducidade em função da posição relacional que cada um assume no seio desta última [artigo 1842.º, n.º 1, alíneas a) , b) e c) , do CC]. 4. O Tribunal Constitucional já se pronunciou, por diversas vezes, sobre questões de inconstitucionali- dade respeitantes a este segundo traço caracterizador do regime legal da impugnação da paternidade presu- mida. Fê-lo especificamente nos Acórdãos n. os 589/07, 593/09, 179/10, 446/10, 39/11, 449/11, 634/11 e 247/13, quanto ao prazo de que o marido da mãe legalmente dispõe para intentar a ação de impugnação da paternidade [artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do CC, quer na sua redação originária, quer na redação intro- duzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril], no Acórdão n.º 441/13, quanto ao prazo concedido à mãe para esse mesmo efeito [artigo 1842.º, n.º 1, alínea b) , do CC], e, por último, nos Acórdãos n. os 609/07, 279/08, 546/14 e 309/16, em relação ao prazo aplicável ao exercício do direito de ação do filho [artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) , do CC, em ambas as redações]. Sendo esse um aspeto normativo que concorre para a caracterização do regime jurídico da impugnação da paternidade e se projeta sobre uma realidade vivencial comum – a das relações existentes entre membros de uma família que se constituiu por meio do casamento –, interessa destacar dessa jurisprudência determi- nados elementos de ponderação que se afiguram igualmente pertinentes, atenta essa convergência essencial, para a análise do problema de inconstitucionalidade agora em apreciação. Um dos elementos, talvez o mais importante, evidenciados na avaliação que o Tribunal Constitucional tem feito dos prazos de caducidade legalmente estabelecidos para as ações de impugnação da paternidade diz respeito à finalidade específica desta particular categoria de ações de filiação, quando comparada com a das ações de investigação da paternidade. Enquanto as ações de impugnação da paternidade visam e têm por efeito, uma vez julgadas procedentes, a extinção da relação jurídica de filiação existente entre o filho e o presumido pai, as ações de investigação da paternidade tendem diferentemente à constituição de uma relação jurídica de paternidade, visando, pois, suprir um vazio jurídico numa zona que, por estruturante da personalidade individual, especialmente carece de definição normativa  O Acórdão n.º 589/07, sublinhando essa diferença, chama precisamente a atenção para a existência de «condicionalismos objetivos que permitem distinguir (…) a investigação da paternidade e a impugnação da paternidade e que podem justificar que as pretensões de constituição de vínculos novos venham a merecer um tratamento jurídico diferenciado em relação a pretensões que tenham em vista a destruição de vínculos pré-existentes», com reflexos na respetiva abordagem jurídico-constitucional.  Confrontando o regime legal vigente para as diversas ações de filiação (investigação da paternidade, impugnação da paternidade presumida e impugnação da paternidade estabelecida por perfilhação), conclui esse Acórdão que, quando se trata de filhos nascidos na vigência do matrimónio, a lei concede especial relevo e proteção ao «interesse geral da estabilidade das relações sociais e familiares e ao sentimento de confiança em que deve basear-se a relação parental». Referindo-se especificamente ao prazo de caducidade, aí em discussão, sustenta essa decisão que, «nas situações de paternidade presumida, a necessidade de salvaguardar a harmonia e a paz familiar explicam que a ordem jurídica aceite a relação de filiação como definitivamente adquirida, a partir de determinado momento, embora sabendo que ela pode não corresponder à realidade biológica normalmente subjacente ao vínculo da paternidade». Também no Acórdão n.º 446/10 se considerou a diferente natureza das ações de investigação da pater- nidade e das ações de impugnação da paternidade no contexto de aferição do grau de projeção negativa que a impossibilidade de as instaurar, por decurso do prazo de caducidade, produzia na esfera jurídico-constitu- cional dos respetivos autores, a do filho investigante e a do presumido pai. Admitindo-se que o direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade podem ser fundadamente invocados, quer para ver juridicamente reconhecidos vínculos de paternidade biológica, quer

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=