TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Acresce a este o “direito de constituir família” (art. 36.º da CRP.), direito fundamental previsto na consti- tuição, do qual deriva o direito fundamental do pai e mãe biológicos não se verem privados dos filhos (n.º 6), só sendo permitida tal separação em casos taxativamente previstos na lei. 6. A ilegitimidade do Autor, nos termos em que vem sufragada pelos antecedentes arestos, atenta contra prin- cípios materialmente constitucionais, maxime o princípio plasmado no art. 2.º, n.º 2 do CPC, segundo o qual “a todo o direito corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo…”. 7. Na sociedade em que vivemos o vínculo de filiação deve assentar na verdade biológica devendo prevalecer sobre tal monopólio e sobre quaisquer princípios, tais como o da segurança jurídica, estabilidade familiar e matri- monial, ou qualquer outro que possa ser invocado. 8. Por outro lado, esta diferença de tratamento entre o pretenso pai biológico e o pai presumido, emergente da interpretação sufragada pelas decisões recorridas, é injustificada, gerando uma violação clara do princípio da igualdade e proporcionalidade previsto no art. 13.º e 18.º da CRP. 9. Se fizermos uma análise comparativa entre o caso retratado no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 546/2003 de 14 de outubro, e o caso em apreço, dúvidas não existem de que também no caso sub judice estamos perante um “sacrifício extraordinário”, e uma “restrição excessiva e desproporcionada ao direito à identidade pessoal do aqui pai biológico, do aqui Autor!”. 10. Ao Autor assiste o direito potestativo inalienável, com consagração constitucional, entre outros nos artigos 11.º, 12.º e 26.º da CRP, de ser reconhecido judicialmente como pai biológico do menino D. , e de ver averbado no assento do nascimento do filho a paternidade em relação a ele (Autor), bem como o seu apelido “A1”. 11. Na qualidade de pai, assiste-lhe também o direito potestativo inalienável de, em representação do seu filho, ver reconhecida judicialmente a filiação biológica verdadeira, tudo nos termos do disposto nos citados artigos 12.º, 13.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa. (…). 12. A ilegitimidade do pai biológico (ou pretenso pai) para impugnar a paternidade presumida é, pois, incons- titucional. 13. A interpretação sufragada no Douto Acórdão recorrido afecta negativamente o direito do Autor, aqui Recorrente, vedando-lhe, de forma intolerável, desadequada, desproporcional e desnecessária (art. 18.º, n.º 2 da CRP), a possibilidade de exercício jurisdicional desse direito. 14. A interpretação dos arts. 1838.º, 1839.º, n.º 1 e 1841.º do Código Civil, sufragada pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional, porquanto restringe, de forma intolerável, desadequada, desproporcionada e desnecessária, o núcleo essencial do direito à identidade biológica e/ou verdade genética, do princípio da universalidade, do princípio da igualdade e do princípio da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (cfr., respectivamente, arts. 26.º, n. os 1 e 3, 12.º, 13.º e art. 36.º, n.º 4, ambos da CRP), bem como do direito de acesso aos tribunais e do direito à tutela jurisdicional efectiva, plasmados no art. 20.º da CRP). 15. Tal interpretação afronta, de igual modo, o regime imperativo estatuído no art. 18.º da CRP, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” 16. Salvo melhor opinião, a interpretação dos arts. 1838.º, 1839.º, n.º 1 e 1841.º do Código Civil, sufragada pelo Tribunal de 1ª Instância e pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual o Autor, aqui Recorrente, não tem legitimidade ex novo para impugnar a presunção de paternidade e ser reconhecido como pai biológico, restringe, de forma intolerável, desadequada, desproporcionada e desnecessária os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, maxime os atrás referidos. 17. A protecção de outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos, nomeadamente a protecção da família (art. 67.º da CRP), não justifica a negação absoluta ao Autor, aqui Recorrente, da legitimidade ex novo para impugnar a presunção de paternidade e ser reconhecido como pai biológico. 18. De resto, inexiste qualquer razão ponderosa que justifique a dualidade de tratamento entre o pai presumido e o pretenso progenitor (que se considera ser o pai biológico), como sustentam as decisões recorridas.

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