TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL âmbito de aplicação. Isso pela linear razão de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que tenham sido fixadas» (itálico nosso). A norma impugnada constitui uma exceção ao princípio da inamovibilidade dos juízes, consagrado no n.º 1 do artigo 216.º: «Os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferido, suspensos aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei». Quer a garantia de inamovibilidade quer as exceções constitu- cionalmente autorizadas são matérias que integram necessariamente o estatuto dos juízes. Por isso mesmo, o artigo 6.º do EMJ prescreve que «os magistrados judiciais são nomeados vitaliciamente, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados, demitidos ou por qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos neste Estatuto». Significa isto que, pelo menos em relação às exceções ao princípio da inamovibi- lidade, o princípio da unidade do estatuto é entendido como diploma único. O que se compreende, dada a estreita ligação que a matéria da inamovibilidade tem com o princípio da independência dos juízes. A independência dos juízes exige que as regras de nomeação garantam o juiz no cargo contra eventuais formas de violação da estabilidade pessoal e evitem a insegurança inevitavelmente ligada à incerteza da cessação da nomeação. Ora, a consagração constitucional de um só estatuto dos juízes, que é uma afirmação da sua inde- pendência em relação aos demais poderes institucionais e políticos, constitui uma garantia de que é na lei que aprova estatuto que estão definidos os requisitos e as condições de nomeação dos juízes, ficando desse modo assegurado que a independência dos juízes não seja afetada por via de alterações legislativas conjunturais. Todavia, a norma impugnada criar uma nova situação de mobilidade funcional dos magistrados através de norma que está localizada fora desse Estatuto. E não é uma norma qualquer: é uma norma que converte a nomeação definitiva do juiz em nomeação sujeita condição resolutiva. Não obstante se admitir que o EMJ possa ser regulamentado e complementado por normas secundárias ou que remeta para outros núcleos nor- mativos, as exceções ao princípio da inamovibilidade pertencem ao elenco de matérias que, por decorrência do princípio constitucional da unicidade estatutária, devem estar formalmente integradas no diploma que regula o EMJ. A circunstância da norma questionada estar integrada numa lei de organização judiciária não afasta a relevância do princípio da unicidade estatutária, que, segundo jurisprudência do Tribunal Consti- tucional citada, impõe que as matérias que integram o estatuto constitucional dos juízes, como é o caso das exceções ao princípio da inamovibilidade, estejam concentradas no EMJ. Em segundo lugar, entendo que a norma impugnada também viola o princípio da proteção da confiança legítima. A nomeação definitiva do magistrado num juízo de competência especializada, com decorria do artigo 45.º do EMJ, cria uma situação de confiança, ou seja, a colocação nesse juízo é suscetível de gerar expectativas razoáveis de manutenção da colocação. Ora, a conversão da nomeação definitiva em nomeação condicional, operada pela norma impugnada, pode conduzir à perda do lugar, vulnerando assim as expecta- tivas legítimas criadas pela nomeação anterior e o chamado “investimento na confiança”, isto é, as despesas e planos de vida que a norma alterada deu oportunidade de fazer. A proteção jurídico-constitucional da “confiança” pressupõe todavia que não ocorram razões de inte- resse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Por isso, a aplicação do princípio da confiança depende também do confronto entre as expec- tativas e os investimentos da confiança frustrados, por um lado, e as medidas e o fim de interesse público prosseguidos, por outro. Numa perspetiva de equilíbrio entre estabilidade e adaptação, indispensável à aplicação do princípio da confiança, o que há a ponderar, com recurso à ideia de proporcionalidade, é o interesse público na manuten- ção dos requisitos da nomeação com o interesse individual de quem no passado foi nomeado definitivamente sem essa exigência. Ora, não se vê que o legislador, ao introduzir a norma impugnada – que determina que o lugar seja posto a concurso quando o juiz perde os requisitos de nomeação – tenha ponderado a situação de quem se encontrava nomeado definitivamente.
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