TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
355 acórdão n.º 80/19 DECLARAÇÃO DE VOTO Não obstante considerar que a norma sindicada reveste natureza materialmente estatutária, acompanhei o sentido da decisão por duas razões fundamentais. A primeira prende-se com o facto de, tal como se afirma no acórdão, entender que a exigência de um estatuto único a que alude o n.º 1 do artigo 215.º da Constituição, por ter um sentido essencialmente material, não obsta a que certas disposições, com repercussão sobre o estatuto jurídico-funcional dos juízes, possam constar de diploma diverso daquele que aprovou o Estatuto dos Magistrados Judiciais, contando que se trate de diploma que, tal como sucede com a Lei da Organização do Sistema Judiciário, não possa deixar de constituir, pela sua própria natureza e objeto de regulação, direito aplicável aos juízes dos tribunais judiciais, desempenhando uma função de indissociável complementaridade na fixação do regime próprio, específico e unificado que dá concretização ao princípio constitucional da unidade, orgânica e funcional, da magistratura judicial. A segunda diz respeito à circunstância de a norma sindicada constar de diploma parlamentar. Apesar de, como materialmente estatutária que é, se incluir no âmbito da reserva absoluta de competên- cia da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea m) , da Constituição], a norma sindicada foi introduzida por lei parlamentar (Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro), o que afasta a possibilidade de reconhecimento de qualquer vício orgânico, suscetível de comprometer a respetiva validade. Para o que releva ainda o facto de, apesar de se tratar de matéria sob reserva absoluta de competência da Assembleia da República, o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania não carecer de aprovação por maioria absoluta dos Deputados em efeti- vidade de funções, nem, consequentemente, por maioria de dois terços dos Deputados presentes (cfr. artigo 168.º, n. os 5 e 6, da Constituição). – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido por entender que a norma extraída do n.º 5 do artigo 183.º da LOSJ, na redação dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, está em desconformidade com dois parâmetros constitucionais: (i) princípio da unidade do estatuto dos magistrados judiciais, estabelecido no n.º 1 do artigo 215.º da CRP; (ii) e o princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP. O n.º 1 do artigo 215.º da CRP preceitua que os «os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto». Esta última expressão – «um só estatuto» – com sentido diferente da expressão «estatuto próprio» referida no n.º 2 do artigo 217.º para o Ministério Público – significa que as regras essenciais que definem a atividade dos magistrados e que conformam o respetivo regime jurídico-fun- cional têm que estar concentradas no mesmo “estatuto”, aprovado por lei parlamentar ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º da CRP, num procedimento legislativa participado pelas organizações representativas dos magistrados (artigo 56.º da CRP). É no Estatuto dos Juízes, e não em qualquer outro diploma, que se devem localizar as garantias, direitos e incompatibilidades essenciais ao exercício da sua função, bem como as regras de progressão na carreira e de governo (estas últimas com execução através do CSM). De outro modo, o “estatuto” ficaria vulnerável a alterações conjunturais, com prejuízo para as demais garantias constitucionais, designadamente a reserva de jurisdição, independência e imparcialidade dos juízes no exercício da função jurisdicional. Como se refere no Acórdão n.º 620/07, «A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe duas características essenciais: (a) um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; (b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respetivo regime jurídico-funcional. Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, em cum- primento do apontado critério constitucional, a determinar qual seja a legislação supletiva e o respetivo
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