TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. A Constituição é parcimoniosa na definição do estatuto dos juízes, remetendo para a lei a definição da generalidade dos aspetos mais relevantes, como os requisitos de acesso à função, a formação profissional específica ou o recrutamento dos magistrados judiciais para os tribunais de primeira instância. No entanto, ao determinar que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto (n.º 1 do artigo 215.º), vincula o legislador a um princípio de unidade, orgânica e estatutária, da magistra- tura judicial, que encontra no EMJ a sua mais relevante expressão. A esse respeito, afirmou o Tribunal, no Acórdão n.º 620/07: «O Estatuto dos Magistrados Judiciais dá concretização prática ao princípio da unidade da magistratura judi- cial, nas suas vertentes de unidade orgânica e estatutária, que decorre diretamente do disposto no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição (e a que o artigo 1.º do Estatuto também alude), e que pressupõe que a estrutura judiciária se encontre autonomizada do ponto de vista organizativo (corpo único) e funcional (um só estatuto). A unidade orgânica e estatutária, encontrando-se circunscrita, nos termos da referida disposição constitucional, aos juízes dos tribunais judiciais, quer significar não apenas a separação orgânica e funcional entre as diversas magistraturas judiciais e entre estas e a magistratura do Ministério Público, mas também a existência de uma especificidade esta- tutária em relação aos titulares de outros órgãos de soberania, aos juízes das restantes ordens de jurisdição, aos magistrados do Ministério Público e aos demais trabalhadores do Estado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Cons- tituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, citada, p. 821). (…) Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, em cumprimento do apontado cri- tério constitucional, a determinar qual seja a legislação supletiva e o respetivo âmbito de aplicação. Isso pela linear razão de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215.º, n.º 1, da Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que tenham sido fixadas.» O capítulo constitucional dedicado ao estatuto dos juízes identifica claramente um conjunto de matérias que só podem ser disciplinadas por lei (n. os 2 e 4 do artigo 215.º, n. os 1 a 3 e 5 do artigo 216.º e n.º 1 do artigo 217.º, entre outros). Mas não impõe que essa disciplina integre um único diploma, o que aponta no sentido de que a unidade do estatuto é uma exigência de carácter essencialmente material – um regime comum. Somente no direito ordinário se encontra a prescrição de que todos os casos de transferência, suspensão, aposentação ou demissão de magistrados judiciais devem estar previstos no respetivo estatuto, com o sentido de um determi- nado instrumento legislativo (vide os artigos 6.º do EMJ e 5.º, n.º 1, da LOSJ). Daí decorre que a Constituição não impede que outras leis possam conter disposições com efeitos relevantes na situação funcional dos magis- trados judiciais. Parece, aliás, inevitável que tal suceda, em especial, com as leis que versam sobre a organização do sistema judiciário, já que esta pode ter uma significativa repercussão na colocação dos magistrados (pense-se, desde logo, nas consequências da extinção e da criação de tribunais e juízos). Admitindo o que o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 620/07, que, «[a] unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe duas características essenciais: (a) um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; e (b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que deter- minam e conformam o respetivo regime jurídico-funcional», não pode deixar de reconhecer-se que essas exigências se satisfazem aí onde se encontrem substancialmente salvaguardadas a uniformidade e a especi- ficidade do regime aplicável ao corpo dos magistrados judiciais, a despeito de haver disposições relevantes em matéria estatutária que extravasam do estatuto em sentido formal. Isto, é certo, sem prejuízo da evidente conveniência da consolidação num único diploma de tantos aspetos de tal regime quanto seja possível.
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