TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

341 acórdão n.º 80/19 H. Deste modo, sendo certo que não obstante serem realidades diferentes, o EMJ apenas prevê e regula uma delas, a nomeação, pelo que a consagração de um regime de manutenção do lugar como previsto no n.º 5 do artigo 183.º da LOSJ, fora, portanto, do EMJ e sem que este preveja a aplicação de qualquer regime subsidiá- rio nesta matéria, temos in casu , a aplicação, uma vez mais, de um duplo Estatuto, o que atenta naturalmente também contra a consagração constitucional do estatuto único e estatuto específico. I. Por outro lado ainda, a aplicação à Recorrente do disposto no n.º 5 do artigo 183.º da LOSJ, viola também o princípio da inamovibilidade dos juízes e independência dos tribunais. J. Se é certo que o princípio da inamovibilidade dos juízes não tem um carácter absoluto, admitindo exceções (cfr. artigo 216.º da CRP), por outro lado não deixa de ser certo e claro que a destituição de lugar de que a Recorrente foi alvo não cabe na previsão legal das exceções ao princípio da inamovibilidade; K. De facto, à luz dos ditames constitucionais, as únicas exceções legais ao princípio da inamovibilidade que podem ocorrer – e, note-se mediante o respetivo procedimento disciplinar, o que não foi o caso – é a trans- ferência (artigo 88.º do EMJ), a suspensão do exercício de funções (artigo 89.º do EMJ) e a aposentação compulsivamente ou demissão (artigo 90.º do EMJ); L. Depois, considerando que o princípio da inamovibilidade tem subjacente uma ideia protecionista, quer ao nível da proteção da estabilidade pessoal do juiz, quer ao nível da proteção do próprio princípio do juiz natural (cfr. artigos 32.º, n.º 9, e 203.º da CRP) e que a independência dos tribunais significa igualmente a independência dos titulares destes órgãos, os juízes, e que, para garantir a independência dos juízes, a Cons- tituição determina e consagra a sua inamovibilidade, é justamente em sentido oposto a estes princípios que dispõe a norma ínsita no artigo 183.º, n.º 5, da LOSJ, colocando-os em causa ao consagrar, para lá dos limites previstos no EMJ, que os juízes possam ser destituídos dos lugares efetivos com base em notações; M. Acresce que, in casu , razões não subsistem para o princípio da inamovibilidade sofrer quaisquer restrições perante a salvaguarda do interesse público que, segundo o douto Acórdão, parece ser induzido pelo artigo 183.º, n.º 5, da LOSJ; N. Pois que, na verdade, a notação que a Recorrente obteve de Bom não conflitua nem faz perigar o interesse público e nem sequer tal notação torna a Recorrente inapta para o exercício de funções no seu lugar efetivo, quando tal notação não implica de per se qualquer consequência ou sanção estatutária. E, sobretudo, quando, tal notação é circunstancial e temporal, na medida em que, haverá sempre a possibilidade na próxima inspe- ção ordinária a Recorrente melhorar e até superar a referida notação. O. Ora, se não existem quaisquer dúvidas sobre o objeto da garantia do juiz natural, isto é, que se trata de uma garantia que visa impedir uma manipulação da composição do tribunal pelos poderes públicos suscetível de lhes permitir decidir caso a caso qual o juiz competente para apreciar uma causa, está-se sem crer que perante o atual sistema de destituição consagrado no artigo 183.º,n.º 5, da LOSJ, a garantia do juiz natural é posta em causa, o que, naturalmente, não pode deixar de ser considerado também inconstitucional; P. Assim, e concluindo, fazendo nossas as palavras de Luís António Noronha Nascimento [a] norma em questão (ao permitir a transferência compulsiva do juiz ao sabor das avaliações periódicas) funcionaliza-o, colocando- -o no mesmo patamar de qualquer funcionário judicial, e nega-lhe a titularidade do exercício de uma função soberana porque restringe a sua independência, tornando-o amovível, transferível, substituível em função da volubilidade de uma notação. (…) Ao transformar o juiz em titular amovível de um poder do Estado, a norma em causa coloca-o à mercê de outros poderes e fragiliza-o como se fora filho de um deus menor. Termos em que o presente Recurso deve ser julgado procedente, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Conselheiros, farão Justiça!». 6. Notificado para contra-alegar, o recorrido pugnou pela inadmissibilidade e pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

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