TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

329 acórdão n.º 51/19 Segundo para o efeito alega, a interpretação feita pelo Tribunal recorrido implica retribuir o mesmo trabalho de forma desigual ou diferenciada uma vez que a intervenção em diligência interrompida será remu- nerada de forma distinta consoante tal diligência venha a ser retomada no mesmo dia ou em dia diferente daquele em que teve início. Pressupondo tratar-se de situações idênticas, a recorrente questiona a razão pela qual «[n]um caso – em que o serviço é prestado na manhã e na tarde de um mesmo dia – [se] retribui como uma sessão, noutro caso – em que o serviço é prestado na manhã de um dia e na tarde do dia seguinte, ou de […] dia diverso – [se] retribui como duas sessões». A possibilidade de reconduzir o critério impugnado ao âmbito de incidência da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição não parece suscitar dúvidas. Com efeito, embora uma primeira leitura, porventura mais cingida à literalidade do texto, possa apontar para a ideia de que os destinatários das normas contidas no artigo 59.º da Constituição são apenas os trab- alhadores subordinados, o certo é que alguns dos direitos ali enunciados não podem deixar de considerar-se «relevantes para todos aqueles que vivem do trabalho, ainda que exerçam a sua atividade sem vínculo de sub- ordinação jurídica» (cfr. Rui Medeiros, “Anotação ao Artigo 59.º”, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Consti- tuição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 1148). É o que sucede, em certa medida, com o direito consagrado na alínea a) do respetivo n.º 1. Conforme se escreveu no recente Acórdão n.º 157/18, «seja enquanto refração do princípio da igual dignidade social de todos os cidadãos, consagrado no artigo 13.º, seja por efeito do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição – de acordo com o qual todos os trabalhadores «têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna» –, sobreleva neste domínio um princípio de paridade remuneratória, cujo sentido é, se não o de prescrever uma igualdade tendencial de tratamento entre sujeitos da mesma categoria, pelo menos o de reforçar a proibição constitucional do estabelecimento de diferenciações arbitrárias». Assim enunciada no Acórdão n.º 157/18, a conexão, que a própria recorrente enfatiza, entre o direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e o princípio da igualdade, enquanto proi- bição do arbítrio, foi estabelecida, logo cedo, no Acórdão n.º 313/89, aresto no qual, a propósito daquele direito, se pode ler o seguinte: «O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam –, e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cfr. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e seguintes). Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito transcrito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma exis- tência condigna; e a trabalho igual – igual em quantidade, natureza e qualidade – deve corresponder salário igual. O princípio “para trabalho igual salário igual” não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habili- tações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações pos- suem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias. Tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente diferente – eis o que exige o princípio da igualdade (...).»

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