TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 21.º – Com efeito, este princípio constitucional da igualdade «envolve uma proibição de arbítrio , postulando que o critério escolhido pelo legislador encontre uma justificação razoável e suficiente…Mas, como norma de con- trolo, ele (o princípio da igualdade)” permite ao Tribunal Constitucional a consideração como inconstitucional de uma lei consagradora de soluções desiguais se e na medida em que não descortinar qualquer fundamento material para a distinção”» – itálico nosso – Jorge Miranda e Rui Medeiros, mesma obra, citando Maria da Glória Ferreira Pinto e Gomes Canotilho, respetivamente. 22.º – Como se disse no Acórdão n.º 76/85, deste Tribunal: «A desigualdade de tratamento será consentida quando, depois de adquirido que os critérios de distinção exigidos pelo legislador se compatibilizam com os objeti- vos da lei, se concluir no sentido de a Constituição, à luz dos princípios que adota e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordinária.» 23.º – É, pois, à luz do princípio da proibição do arbítrio que o controlo das soluções normativas deve ser reali- zado, assim se conferindo real dimensão ao princípio constitucional da igualdade (cfr., entre outros, os Acs. n. os 39/88, 750/95, 409/99, 319/00, 522/06 e 313/08, todos deste Tribunal Constitucional). 24.º – Ora, no caso em apreço, verifica-se que a interpretação dada pelos acórdãos recorridos ao conjunto normativo citado conduz a desigualdades de tratamento sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional, consubstanciando, assim, claro arbítrio. Que o princípio constitucional da igualdade proíbe. 25.º – Daí a invocação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , e do artigo 13.º da Constituição, norma esta que, res- peitando a «direitos, liberdades e garantias» (como resulta da localização da norma na sistemática normativa da Constituição) é diretamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas, como se dispõe no artigo 18.º, n.º 1, da mesma lei fundamental. 26.º – Por outro lado, está em causa o pagamento de honorários a Advogados – inscritos no regime do acesso ao direito – por serviços prestados em cada sessão do ato ou diligência, para além das duas primeiras sessões (cfr. n.º 9, da referida tabela de honorários). 27.º – E tratando-se de Advogados no exercício do patrocínio forense que a Constituição erigiu como elemento essencial à administração da justiça, a pretensão de não retribuir esse patrocínio quando assume cariz oficioso põe claramente em causa esse mesmo patrocínio e a sua essencialidade. 28.º – Na verdade, o artigo 208.º, da Constituição, determina que a «lei…regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça», o que significa que esse patrocínio, garantido essencialmente pelos Advogados, implicará, além do mais, a representação judicial dos cidadãos na defesa dos respetivos direitos, liber- dades e garantias. O que eleva a função do Advogado a um dos baluartes fundamentais da defesa do Estado de Direito. 29.º – Esse trabalho fundamental dos Advogados, essa sua representação judicial dos cidadãos «essencial à administração da justiça» não pode pretender-se não retribuída ou sequer retribuída de forma incipiente. Trata- -se de um serviço fundamental que os Advogados prestam à comunidade em geral, sendo por isso mesmo que o legislador constitucional o previu no respetivo normativo e, para além disso, o consagrou como essencial à admi- nistração da justiça. 30.º – Sendo certo que, quando oficioso, esse patrocínio assume exatamente os mesmos contornos de essen- cialidade para a administração da justiça. 31.º – Afronta o normativo constitucional citado, por consubstanciar interpretação da norma puramente arbitrária e em nada coincidente com a letra da lei, afirmar-se, como se fez no primeiro dos acórdãos recorridos, que a não retribuição do Advogado naqueles segundos períodos do mesmo dia se justifica até «numa política de contenção de despesas de que o art. 5.º também é testemunha». 32.º – Quando o que essencialmente resulta daquele artigo 5.º da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, e do n.º 10 da tabela que lhe está anexa (para onde remete o dito artigo 5.º), é que deverá ser sempre retribuída cada manhã e cada tarde de trabalho do Advogado em regime de acesso ao direito. 33.º – Daí que a interpretação normativa em causa, adotada pelos acórdãos recorridos, viole também o dis- posto no artigo 208.º, da Constituição da República Portuguesa. Porque impede que o patrocínio forense – que,
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