TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, definir a natureza do ilícito, a tipologia sancionatória dos ilícitos contraordenacionais, fixar os limites mínimo e máximo das coimas, assim como definir as linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Significa isto que o Governo só pode editar normas, que façam parte do regime geral das infrações contraordenacionais, desde que munido de autorização legislativa, podendo legislar, sem neces- sidade de autorização parlamentar, fora desse regime geral, designadamente, na criação de concretos ilícitos contraordenacionais e fixação da moldura das coimas que cabem a cada infração, desde que se mova dentro dos limites da lei de enquadramento, e bem assim na estatuição de regras secundárias do processo con- traordenacional correspondente (cfr., entre muitos, os Acórdãos n. os 56/84, 255/88, 3/89, 356/89, 155/91, 329/92, 441/93, 74/95, 175/97, 62/03, 578/09, 274/12 e 374/13). A norma em apreço, relativa ao efeito do recurso judicial em condenação por infração contraordenacio- nal, foi editada pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa geral, prescrita no artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, da qual decorre, como se viu, habilitação legiferante para a definição das normas secundárias do regime processual contraordenacional em questão. Coloca-se, pois, a questão de saber se a solução normativa instituída se conteve nesse âmbito, sem atin- gir uma das traves mestras em que assenta o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social. A resposta não pode deixar de ser negativa. 13. O Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, não contém diretamente no seu enunciado a disciplina sobre a matéria do efeito do recurso judicial da decisão final condenatória proferida pela entidade administrativa. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial uniforme, essa matéria encontra-se compreendida na remissão operada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, para a aplicação subsidiária, com as devidas adaptações, dos «preceitos reguladores do processo criminal» (e não apenas as normas contidas no Código de Processo Penal), designadamente, para a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do CPP, que consagra o efeito suspensivo da decisão condenató- ria, implicando que esta, por via de princípio, não pode ser executada sem prévia decisão do recurso. A afinidade estrutural e material entre os dois ramos do direito sancionatório público, subjacente ao mecanismo de reenvio normativo, encontra manifestação plena na matéria do efeito do recurso e exequibili- dade da decisão impugnada, pela sua fundamentalidade, integrando opção político-legislativa estruturante e basilar, ordenadora quer do direito penal, quer do direito contraordenacional. Na verdade, e como se referiu nos Acórdãos n. os 335/18, 336/18, 363/18 e 394/18, para além da referida remissão para o regime do processo penal, o diploma de enquadramento do direito de ordenação social não deixou de integrar disciplina que tem implícita a opção fundamental pelo efeito suspensivo da impugnação judicial, vedando a execução da decisão administrativa sancionatória em caso da impugnação prevista no artigo 59.º do RGCO. É o que decorre do artigo 58.º do RGCO, onde se estipulam os requisitos a que deve obedecer a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias, sendo imposta a explicitação, no texto da própria decisão, que a condenação apenas se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada [n.º 2, alínea a) ] e que o termo inicial do prazo para pagamento da coima apenas ocorre «após o caracter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão» [n.º 3, alínea a) ]. Temos, então, que o legislador governamental, ao estipular como regime-regra da impugnação judicial o efeito devolutivo, veio regular matéria coberta pelo regime geral do processo contraordenacional, que alterou no âmbito regulatório da saúde sem que se encontrasse credenciado por autorização parlamentar, infringindo desse modo a reserva relativa de competência da Assembleia da República, estabelecida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 14. Conclui-se, assim, que a norma do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto- -Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, no sentido em que determina que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolutivo,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=