TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

313 acórdão n.º 49/19 7. Ora, no caso em apreço, a norma cuja inconstitucionalidade é arguida visa resolver o problema da transição de trabalhadores, previamente integrados em categorias a extinguir, para as categorias criadas pelo novo CCT. Como tal, a apreciação da questão de constitucionalidade colocada pela recorrente pressupõe a compa- ração entre os trabalhadores que, à data de entrada em vigor do novo CCT, já detinham pelo menos oito anos de tempo de serviço nas categorias a extinguir – e que, por mero efeito da antiguidade, já tinham atingido o mais elevado nível da respetiva categoria, ou estavam em vias de nele ser integrados –; e os trabalhadores que só após a entrada em vigor do novo CCT poderão vir a reunir todos os requisitos necessários à integração no nível de auxiliar de ação médica especialista. Trata-se, pois, de um caso em que evidentemente a distinção resulta de serem diferentes os regimes legais sucessivamente aplicáveis aos trabalhadores – o que só por si afastaria um juízo de censura jurídico-constitucional por violação do princípio da igualdade. Ainda que assim não fosse, o tempo de serviço na categoria – enquanto indicia um maior domínio das funções a desempenhar, adquirido pela experiência prática – constitui, como já se referiu, um critério objetivo idóneo para fornecer fundamento material bastante à diferenciação salarial (e à concomitante equi- paração entre o trabalho prestado por trabalhadores com mais tempo de serviço e o trabalho prestado por tra- balhadores com qualificações especializadas) que resulta da aplicação da cláusula do CCT em apreço. Aliás, é de realçar que o próprio CCT admite, em termos gerais, a possibilidade de serem integrados na categoria de auxiliar de ação médica especialista trabalhadores com diferentes qualificações, desde que a experiência justifique a equiparação salarial. Na verdade, a condição geral de acesso a esta categoria relativa à formação específica certificada em determinada especialidade – que dotará os trabalhadores das especiais qualificações a que a recorrente alude – pode, nos termos do próprio CCT, ser substituída por experiência equivalente (ponto 1.1 do Anexo II ao CCT). Pelo, que, mesmo num plano sincrónico não poderia considerar-se arbi- trária ou descontextualizada a diferenciação estabelecida pela norma em apreço, tal como interpretada pelo tribunal a quo. Como tal, há que concluir que a adoção da disposição em causa não se traduz num abusivo uso da liberdade de conformação que este Tribunal vem reconhecendo perante o legislador – e que, por maioria de razão, não deixará de reconhecer ante uma cláusula que resultou de negociação coletiva. É certo que, à luz da nossa Constituição, não se vê como «sustentar que o princípio de que para trabalho igual salário igual deve pura e simplesmente ser afastado do universo das relações laborais entre privados» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 835; e no mesmo sen- tido Rui Medeiros, O Direito Fundamental à Retribuição – em especial, o princípio a trabalho igual, salário igual, Lisboa, 2016, pp. 90-91). Mas também não pode olvidar-se, como recentemente se reafirmou, que, no âmbito das relações laborais de direito privado, «a fixação das remunerações é um campo de “natural sobe- rania” da autonomia coletiva, e portanto, um domínio especialmente aberto à regulação coletiva» (Acórdão n.º 828/17 – vide também o Acórdão n.º 229/94 e Rui Medeiros, O Direito Fundamental à Retribuição… , cit., p. 89). Nem pode ignorar-se o risco, de que adverte Júlio Gomes, de através da interpretação e da inte- gração de convenções coletivas de trabalho se «permitir que as partes obtenham pela interpretação aquilo que em rigor não conseguiram pela negociação» ( Novos Estudos de Direito do Trabalho , Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 152). Assim, as exigências que dimanam do princípio da igualdade retributiva devem ser acomodadas àquele que é o espaço próprio da autonomia contratual coletiva, que a Lei Fundamental igualmente protege (artigo 56.º, n.º 3, da CRP), de modo a que seja reconhecida a liberdade que às partes assiste de conformar as concretas condições remuneratórias dos trabalhadores abrangidos pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Portanto, não é possível censurar, à luz dos princípios da igualdade e da igualdade retributiva, a norma impugnada pela recorrente.

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