TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

31 acórdão n.º 74/19 caso, se consubstancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presun- ção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo do processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancionatório de forma necessariamente fundamentada.» Delimitado nesses termos o âmbito de aplicação do princípio da presunção de inocência no domínio contraordenacional, mostra-se inequívoco que a norma sub juditio , ao determinar que o recurso de impug- nação das decisões finais condenatórias da ERS que imponham uma coima tem, por regra, efeito meramente devolutivo, condicionando a atribuição de efeito suspensivo a um conjunto de requisitos, constitui uma compressão de tal garantia constitucional. Como se afirma no Acórdão n.º 123/18: «[P]arece difícil negar que (a possibilidade) de execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presunção de inocência. A extensão do princípio da presunção de inocência aos processos contraordenacionais implica que o arguido deve ser presumido inocente – o que significa, desde logo, que não deverá sofrer qualquer sanção punitiva -, até que se verifique uma de duas condições: a consolidação da condenação administrativa pelo facto da sua não impugnação dentro do prazo previsto na lei ou a confirmação da condenação administrativa no âmbito de recurso judicial interposto pelo arguido. A execução da sanção pressupõe a “culpa” do visado, que é inevitavelmente presu- mida sempre que a condenação encerre um juízo de responsabilidade que a ordem jurídica reputa provisório, ainda para mais quando seja proferido por uma entidade administrativa. Em suma, a solução legal permite que o arguido apenas provisoriamente condenado seja sujeito a tratamento idêntico ao do arguido cuja condenação é definitiva». Ora, o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição dispõe que é da exclusiva competência da Assem- bleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias. Deste modo, a norma em apreciação, ao comprimir sem autorização parlamentar um direito fundamental da natureza dos direitos, liberdades e garantia, padece de inconstitucionalidade orgânica. 12. Em qualquer caso, a dimensão normativa em análise padece de um outro vício de natureza orgânica, agora por ofensa da reserva parlamentar estatuída na parte final da alínea d) do mesmo n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Dando sequência a evolução legislativa anterior, através da qual se operou a progressiva autonomização do direito penal quer do direito disciplinar, quer do direito de mera ordenação social, no âmbito da 1.ª Revisão Constitucional foi consagrada a inclusão na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da Repú- blica do «regime geral da punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo». Na expressão do então deputado Jorge de Miranda, a justificação para tais aditamentos decorreu de «correspond[erem] a realidades já existentes na ordem jurídica portuguesa que têm uma conexão bem marcada com a matéria do direito criminal e dificilmente se compreendia que a Assembleia da República não tivesse, ao menos em princípio, uma reserva de competência acerca dessas matérias» [ Diário da Assembleia da República , II Série, de 27 de janeiro de 1982, p. 904 (1)]. Desse modo, e como se sublinha, por exemplo, no Acórdão n.º 155/91, a reserva parlamentar consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (numeração resultante da Lei Constitucional n.º 1/97; corresponde ao anterior artigo 168.º) exprime a semelhança de natureza entre esses novos ramos de direito e o direito penal ao falar do «regime geral de punição» dos respetivos ilícitos, todos integrantes do direito público sancionatório.

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