TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “(…) a técnica legislativa da remissão, tão frequente na tipificação do direito penal económico, é perfei- tamente compreensível neste caso, uma vez que não cumprindo à lei penal, mas sim à lei tributária, estipular a periodicidade de liquidação, declaração e entrega dos valores respeitantes a impostos, cujos valores foram deduzidos ou repercutidos pelos sujeitos passivos, justifica-se que para a determinação da prestação tributária cuja não entrega é criminalizada, se recorra a tais estipulações técnicas, não sendo exigível a réplica de todas essas normas no tipo incriminador único de abuso de confiança fiscal. (…) [A]s normas do CIVA aplicáveis, limitam-se a auxiliar a concretização do conceito de prestação tributá- ria, cuja não entrega é o elemento fundamental do tipo legal de crime de abuso de confiança tributária, não acrescentando um diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da previsão constante do artigo 105.º, do RGIT. Aqueles preceitos legais, com interesse para a definição dos elementos do tipo legal de crime em causa, limitam-se a determinar o período temporal em que ocorreram as operações tributáveis, cujo decurso obriga à apresentação da declaração indicadora do montante do imposto a entregar ao Estado, relativo a esse período. Daí que o alheamento das finalidades perseguidas por essas normas a qualquer valoração penal não coloca em causa a satisfação da exigência duma prévia previsão legal desse sancionamento, uma vez que aquelas se limitam a servir como “bengalas de apoio” na descrição típica, não deixando esta de ser efetuada, no seu essencial, pela lei penal”. Independentemente da questão de saber se a norma remissiva constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT constitui efetivamente, como defendem os reclamantes, uma norma penal em branco – à semelhança do que se observou no Acórdão n.º 146/11 a propósito do n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, também aqui não deixará de salientar-se que, no que ao IVA concerne, as normas convocadas são igualmente as constantes do CIVA, diploma que, tendo sido aprovado por Decreto-Lei emitido pelo Governo, com autorização da Assembleia da República, provém de uma fonte normativa não inferior à da norma remissiva, o que, de acordo com alguma doutrina, impede que esta se qualifique como uma norma penal em branco (sobre o conceito de norma penal em branco, vide “O regime legal do erro e as normas penais em branco”, Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, Coimbra, 1999, pp. 31-35, e Jorge Miranda/Miguel Pedrosa Machado, “Constitucionalidade da proteção dos direitos de autor e da propriedade industrial. Normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação con- forme à Constituição”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , n.º 4, 1994, pp. 483-486) –, é, pois, a todos os títulos inequívoco o caráter meramente concretizador das normas tributárias para que remete. Por isso, à luz da premissa, recorrentemente afirmada na jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual a vali- dade constitucional das “normas penais em branco” apenas deverá considerar-se excluída, por força do “princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível)”, nas hipóteses em que “a remissão feita para a norma complementar p[user] em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime” (cfr. Acórdão n.º 115/08), é ostensiva a inatendibilidade dos fundamentos dos recursos. Mais: na medida em que, como é próprio dos crimes de perigo, a dispensa de verificação de um resultado danoso é compensada, no âmbito do artigo 103.º do RGIT, pela maior densificação da conduta proibida − ao ponto de converter o ilícito-típico num crime de execução vinculada (cfr. Paulo Dá Mesquita, loc. cit., p. 108) −, a margem de complementação típica à partida atribuível às normas tributárias convocadas, no confronto com o crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do mesmo diploma legal, é ali (ainda) menor e, por isso, correlativamente (ainda) maior a efetiva possibilidade de, com recurso apenas à(s) norma(s) penal(ais), serem apreendidos pelos seus destinatários os elementos essenciais do tipo de crime. Também por aqui se vê a total inviabilidade da pretensão dos recorrentes, tornando-se, assim, a todos os títulos manifesta a inatendibilidade dos fundamentos que, nesta parte, acompanham os recursos interpostos. (...) Resta, assim, concluir pela confirmação, em toda a sua extensão, das decisões de não admissão dos recursos de constitucionalidade.»

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