TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
301 acórdão n.º 48/19 fraude fiscal está sempre vinculada à suscetibilidade de se causar uma diminuição das receitas tributárias, o que pressupõe a idoneidade ou aptidão dos atos defraudatórios para produzirem aquele resultado (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 76), ainda que o mesmo não chegue efetivamente a concretizar-se. Neste sentido, é comum afirmar-se que a aptidão da conduta para diminuir as receitas tributárias constitui o “elemento típico essencial da fraude fiscal”, apresentando-se a “vantagem patrimonial ilegítima” intentada obter pelo agente – que, de acordo com a tipificação constante do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, consubstancia o ele- mento subjetivo específico deste crime – como o reverso dessa diminuição: a diminuição das receitas tributárias a que intentam os atos defraudatórios constitui o correlativo da “vantagem patrimonial ilegítima”, determinando a recondução dessa vantagem ao montante que o sujeito pretendeu indevidamente deixar de pagar, ou, mais cla- ramente ainda, ao valor da prestação tributária em falta (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 88, e, no mesmo sentido, Paulo Dá Mesquita, “Sobre os crimes de fraude fiscal e de burla”, loc. cit. , p. 109-110). À semelhança do que sucede no âmbito do crime de abuso de confiança fiscal (cfr. artigo 105.º, n.º 1, do RGIT), os n. os 2 e 3 do artigo 103.º do RGIT condicionam a relevância penal da conduta defraudatória ao valor da diminuição das receitas tributárias intentada obter pelo agente, prescrevendo que os atos tipificados no respe- tivo n.º 1 deixarão de ser puníveis “se a vantagem patrimonial ilegítima”, entendida conforme se deixou exposto, “for inferior a € 15 000” (n.º 2), efeito para o qual deverão considerados os valores “que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária” (n.º 3). Trata-se, também aqui, de uma cláusula quantitativa de delimitação da responsabilidade por referência ao “prejuízo penalmente significativo para o Erário-Público” (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 302), que coloca a punibilidade da conduta na dependência da medida em que a atuação empreendida efetivamente diminuiu ou era apta a diminuir as receitas tributárias. Uma vez que a medida dessa diminuição só pode estabelecer-se em presença do montante do imposto efetiva- mente devido pelo sujeito tributário de acordo com o específico regime jurídico previsto para a espécie concreta- mente em causa, a norma constante do n.º 3 do artigo 103.º prescreve, em termos inteiramente idênticos àqueles que o n.º 7 do artigo 105.º estabelece para o crime de abuso de confiança fiscal, que os valores a considerar para tal efeito “são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à adminis- tração tributária”. O segmento em que, por força da remissão constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT, a lei tributária é cha- mada a fattispecie correspondente ao tipo legal da fraude fiscal é apenas o da determinação do valor do imposto devido: sem que daí advenha a colocação de um qualquer diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da categorização constante do próprio RGIT, trata-se de estabelecer, com recurso às normas que, no âmbito do regime jurídico previsto para cada tipo de tributo, fixam a periodicidade da respetiva liquidação, definem a correspondente base de incidência, regras de apuramento e taxas aplicáveis, e estipulam os termos da sua entrega à Administração Fiscal, o único valor por referência ao qual é computável − e deve ser por isso computada − a medida da diminuição das receitas tributárias alcançada ou intentada alcançar pelo agente do crime. No âmbito da delimitação negativa da conduta proibida, a técnica remissiva seguida no n.º 3 do artigo 103.º do referido diploma legal tem por isso apenas a função de permitir a concretização do conceito de “vantagem patri- monial indevida”, entendido no sentido que acima se deixou exposto, dispensando a infazível tarefa de replicar ou reproduzir, no âmbito do tipo incriminador da fraude fiscal, o conjunto das normas tributárias que, por referência a cada uma espécie de tributo, permitem definir o valor do imposto efetivamente devido pelo sujeito tributário agente do crime. Isso mesmo foi notado, a propósito da remissão constante do n.º 7 do artigo 105.º do RGIT, no Acórdão n.º 146/11, indicado no douto Parecer do Ministério Público. Neste aresto, depois de ter identificado como pro- blema a solucionar justamente o de saber se aquela norma seria desconforme à Constituição, “por não cumprir as exigências do princípio da tipicidade, mercê do conteúdo integral da sua previsão só poder ser obtido através de recurso à consulta de normas de natureza tributária”, afirmou o Tribunal o seguinte:
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