TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ilustrativa jurisprudência constitucional, Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, pp. 76 e seguintes). Por esta razão, o objeto do presente recurso cingir-se-á à primeira questão acima enunciada (ponto 6.1.) – i. e. , àquela segundo a qual o n.º 3 do artigo 103.º do RGIT – mais especificamente, a técnica remissiva aí usada – é inconstitucional por impedir que o tipo legal de crime em questão satisfaça a exigência de determi- nação decorrente do princípio da legalidade. Apreciação do objeto do recurso 8. Sucede que essa questão foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, que no já referido Acórdão n.º 698/16 se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade. Fê-lo nos seguintes termos: «9. Ao contrário da questão de constitucionalidade que vimos de considerar, aquela que, dizendo respeito ainda ao regime legal consagrado no artigo 103.º do RGIT, foi imputada de forma expressa à norma constante do respetivo n.º 3 sob a alegação de que o emprego da técnica remissiva, aí seguida, no estabelecimento dos critérios de operatividade da cláusula de exclusão da punibilidade, prevista no n.º 2, é contrário ao princípio da legalidade criminal consagrado no artigo 29.º da Constituição, foi expressamente colocada por cada um dos reclamantes perante o Tribunal a quo, que, no Acórdão recorrido, a considerou destituída de fundamento, no essencial porque contrária à orientação prevalecente, tanto na doutrina como na jurisprudência, sobre o problema da admissibili- dade constitucional das chamadas “normas penais em branco”. Considerando resultar das sucessivas decisões deste Tribunal sobre a matéria que às normas penais em branco se não colocam quaisquer reservas de constitucionalidade sempre que as normas chamadas a completar a norma penal – conforme se entendeu suceder com aquelas para que remete o n.º 3 do o artigo 103.º do RGIT – “não contenham inovatoriamente a definição de elementos relevantes do próprio tipo de crime aplicável às infrações”, o Tribunal a quo concluiu pela manifesta ausência de fundamento dos recursos de constitucionalidade, não os tendo admitido nessa parte nos termos previstos no segmento final do n.º 2 do artigo 76.º da LTC. (...) 10. A questão de constitucionalidade suscitada nos requerimentos de interposição do recurso inscreve-se no tema da compatibilidade com o princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29.º da Constituição, das normas penais constantes do RGIT que, no específico âmbito do estabelecimento dos critérios operativos dos cha- mados limites negativos da punição (cfr. Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais, Coimbra Editora, p. 304) – ou, na terminologia acolhida pelo Acórdão recorrido, das “cláusula[s] objetiva[s] de extinção das responsabilidade” (cfr. fls. 698) − elegem como “valores a considerar” para o efeito aqueles que “nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. No âmbito dos crimes fiscais, é consensual na doutrina a perspetiva segundo a qual o bem jurídico protegido é constituído pelo “património encabeçado pelo Estado-Fisco”, compreendido como “o conjunto de pretensões ao recebimento integral e tempestivo dos diferentes tributos, nos termos previstos nas respetivas leis” (cfr. Costa Andrade, “A Fraude Fiscal – Dez anos depois, um crime de resultado cortado?”, in Direito Penal Económico e Euro- peu: Textos Doutrinários , Coimbra Editora, 2009, V.III, p. 256). Por isso, também no tipo legal da fraude fiscal o bem jurídico protegido coincide com o interesse estadual na obtenção de receitas fiscais – no sentido de “importâncias que o Estado tem a receber” “de acordo com as formas e os critérios pré-definidos na lei” (cfr. Paulo Dá Mesquita, “Sobre os crimes de fraude fiscal e de burla”, Direito e Justiça , Vol. XV, Tomo 1, 2001, 101-157, p. 111) − ou, numa outra formulação, das “receitas tributárias enquanto componente ativa do património tributário do Estado” (cfr. Susana Aires de Sousa, ob. cit. , p. 71): o que está em causa é a proteção do património tributário na dimensão relativa à obtenção integral e tempestiva das receitas provenientes de cada tipo de imposto. Por isso, seja qual for a configuração que concretamente assuma – isto é, a forma de um arbitrário não paga- mento ou pagamento reduzido, da obtenção de um benefício indevido ou de reembolso sem suporte legal −, a

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