TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação Delimitação do objeto do recurso 7. O recorrente pugna pela inconstitucionalidade do artigo 103.º, n.º 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), relativo ao crime de fraude fiscal. Aquele preceito estabelece que: «Para efeitos do dis- posto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.» Entende o recorrente que esse preceito viola, do mesmo passo, dois distintos parâmetros constitucionais: 7.1. Por um lado, o princípio da legalidade, na sua dimensão de tipicidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, uma vez que, em suma: «estamos perante uma norma penal em branco verificando-se um procedimento de reenvio para legislação tributária», reenvio este que «não é compatível com o princípio da legalidade já que a lei penal por si só não permite conhecer aquilo que é proibido já que só pela leitura do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e pela determinação do regime de IVA aplicável ao agente é que poderemos apreender a conduta proibida». Este parâmetro constitucional foi invocado pelo recorrente durante o processo perante o tribunal recor- rido (vide supra, no ponto 2, as conclusões n. os 14 a 22 do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, a peça onde, no caso, incumbia ao recorrente fazer a suscitação prévia e adequada de questões de constitucionalidade que mais tarde pudesse ter legitimidade para vir colocar ao Tribunal Constitucional – vide o artigo 72.º, n.º 2, da LTC). 7.2. Por outro lado, considera o recorrente que aquele preceito do RGIT viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, porquanto os ditos «procedimentos de reenvio (...) fazem depen- der a incriminação do regime normal de IVA ser de periodicidade mensal ou trimestral». E especifica: «Com efeito, uma mesma conduta praticada por dois sujeitos passivos distintos visando a dedução indevida de quantias superiores a 15 000 euros pode ou não ser punível consoante o regime normal de IVA seja de perio- dicidade trimestral ou mensal», distinção esta que «não tem qualquer fundamento tendo em consideração o bem jurídico protegido (receitas tributárias)». Diferentemente do parâmetro constitucional indicado anteriormente, este parâmetro não foi invocado pelo recorrente durante o processo perante o tribunal recorrido. Somente no seu recurso de constituciona- lidade veio o recorrente invocar esse parâmetro (cfr. supra , o ponto 3). Esta circunstância, aparentemente inócua – na medida em que a LTC admite que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade de normas ordinárias com parâmetros constitucionais diferentes daqueles que vêm invocados, nos termos do princípio iura novit curia (vide o artigo 79.º-C da LTC) –, representa, no presente caso, a formulação de uma questão de constitucionalidade autónoma relativamente à que foi suscitada perante o tribunal recorrido e distinta dela, embora atinente ao mesmo preceito ordinário. Como a este propósito observou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 139/03: «Não pode, com efeito, conhecer-se do objeto do recurso (...). É que em parte alguma das alegações que produziu perante o tribunal recorrido, o recorrente suscita esta ques- tão de constitucionalidade (só o fez no requerimento de interposição do presente recurso), razão até por que o STJ se não pronuncia sobre ela – em sede de inconstitucionalidade material o recorrente limita-se a suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma, questão que nada tem a ver com a primeira. Dir-se-á, em contrário, que em termos de ónus de suscitação da questão, este se deve ter por cumprido com a alegação de inconstitucionalidade da norma, ainda que com outro fundamento, e isto até pelo poder que o artigo da LTC confere ao Tribunal Constitucional – o de julgar inconstitucional a norma por fundamentos diferentes dos que vêm alegados.

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