TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
297 acórdão n.º 48/19 «1. Constitui objeto do recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), por violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição). 2. No tipo legal da fraude fiscal o bem jurídico protegido coincide com o interesse estadual na obtenção de receitas fiscais, por isso, seja qual for a configuração que concretamente assuma – isto é, a forma de um arbitrário não pagamento ou pagamento reduzido, da obtenção de um benefício indevido ou de reembolso sem suporte legal –, a fraude fiscal está sempre vinculada à suscetibilidade de se causar uma diminuição das receitas tributárias; a aptidão da conduta para diminuir as receitas tributárias constitui o “elemento típico essencial da fraude fiscal”, apresentando-se a “vantagem patrimonial ilegítima” intentada obter pelo agente – que, de acordo com a tipificação constante do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, consubstancia o elemento subjetivo específico deste crime – como o reverso dessa diminuição. 3. Os n. os 2 e 3 do artigo 103.º do RGIT condicionam a relevância penal da conduta defraudatória ao valor da diminuição das receitas tributárias intentada obter pelo agente; o segmento em que, por força da remissão constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT, a lei tributária é chamada a fattispecie correspondente ao tipo legal da fraude fiscal é apenas o da determinação do valor do imposto devido, sem que daí advenha a colocação de um qualquer diferente pressuposto de punibilidade que não resultasse já da categorização constante do próprio RGIT, pelo que, independentemente da questão de saber se a norma remissiva constante do n.º 3 do artigo 103.º do RGIT constitui efetivamente uma norma penal em branco, é a todos os títulos inequívoco o caráter meramente concretizador das normas tributárias para que remete. 4. Por isso, à luz da premissa, recorrentemente afirmada na jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual a vali- dade constitucional das “normas penais em branco” apenas deverá considerar-se excluída, por força do “princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível)”, nas hipóteses em que “a remissão feita para a norma complementar p[user] em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime”, é ostensiva a inatendibilidade dos fundamentos dos recursos; mais: na medida em que, como é próprio dos crimes de perigo, a dispensa de verificação de um resultado danoso é compensada, no âmbito do artigo 103.º do RGIT, pela maior densificação da conduta proibida – ao ponto de converter o ilícito-típico num crime de execução vinculada –, a margem de complementação típica à partida atribuível às normas tributárias convocadas, no confronto com o crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do mesmo diploma legal, é ali (ainda) menor e, por isso, correlativamente (ainda) maior a efetiva possibilidade de, com recurso apenas à(s) norma(s) penal(ais), serem apreendidos pelos seus destinatários os elementos essenciais do tipo de crime. 5. Pelo exposto, não sendo o artigo 103.º do RGIT, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), deve negar-se provimento ao recurso.» 6. Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a eventualidade de não conhecimento do objeto do seu recurso na parte relativa à pretensa violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição – por se traduzir numa autónoma questão de constitucionalidade, distinta da que diz respeito à pretensa violação do princípio da tipicidade consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição (embora em ambos os casos o preceito infraconstitucional em causa seja o artigo 103.º, n.º 3, do RGIT), e não ter sido suscitada de modo prévio e adequado perante o tribunal recorrido –, o recorrente nada disse. Cumpre apreciar e decidir.
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