TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

292 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Porquanto: A) Artigo 103 do RGIT: inconstitucionalidade do artigo 103.º do RGIT por violação do principio da legali- dade – tipicidade– (artigo 29 n.º 1 da CRP) e da igualdade (artigo 13 da CRP) Nos termos do artigo 103.º do RGIT constitui crime de fraude fiscal condutas ilegítimas tipificadas no pre- sente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2 – Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7 500 3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. O n.º 3 do artigo 103.º consagra pois que Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a consi- derar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. A legislação aplicável será portanto a legislação tributária, nomeadamente o CIVA. Estamos perante uma norma penal em branco. As normas penais em branco, de acordo com BINDING, apresentam as seguintes características nucleares: 1) o tipo penal é descrito de modo impreciso e 2) a norma incriminadora deveria ser preenchida por uma autoridade policial ou dos Estados ou por legislação específica. Já Edmond Mezger na destrinça que fez entre tipos fechados e tipos de ilícito que necessitam de complemento refere as normais penais em branco como exemplo destes últimos. A situação de facto surge então formulada de modo incompleto ou como refere Mezger à sanção aparece apenas ligada, de modo imediato, uma referência ao necessário complemento. Tal complemento há de surgir em disposições externas que originarão uma formulação acabada. Na doutrina a problemática das normais penais em branco é discutida tendo por base o conflito com o princí- pio da legalidade (problemáticas inerentes a questões de reserva de lei) e de emanações daquele como, por exemplo, o princípio da tipicidade. (a lei penal tem obrigatoriamente de ser certa, precisa e determinável sendo percetível pelos seus destinatários.) Ora a remissão que o tipo faz para legislação tributária origina uma indefinição dos elementos objetivos da incriminação não sendo os mesmos apreendidos de forma clara pela comunidade, violando desta forma o artigo 29.º da CRP. Ou seja, não é compatível com o principio da legalidade uma norma penal que remete para legislação fiscal elementos objetivos da incriminação. Atendendo à mutabilidade da legislação fiscal não está garantida a pré determinação normativa das condutas ilícitas. Isto é a pré determinação das condutas ilícitas é uma garantia de certeza para os cidadãos sobre que condu- tas constituem ilícito penal. Não estando suficientemente concretizada a conduta aniquilada está a segurança jurí- dica. Ora, o reenvio que o artigo 103.º do RGIT faz para as normas tributárias poderá abarcar normas futuras que podem entrar em vigor a qualquer momento transmutando imediatamente o ilícito e as condutas puníveis. Esta- mos perante um indeterminação de aspetos relativos à conduta desde logo ao consagrar-se um limite de € 15000 por referência a “cada declaração a apresentar”. Tal remissão não é compatível com a exigência de pré determinação (constituindo esta geralmente uma garantia de vinculação do juiz à lei) que no caso das normais penais em branco corresponderá à dificuldade de apreensão do conteúdo das normas pelos cidadãos já que tal não se alcança somente pela leitura da lei penal sendo necessário ter conhecimentos sobre obrigações tributárias acessórias, nomeadamente as obrigações declarativas e bem assim conhecimento sobre o regime de IVA. A lei penal por si só não permite conhecer aquilo que é proibido ou a que se é obrigado. Só pela leitura do CIVA e pela determinação do regime de IVA aplicável ao agente é que poderemos apreender a conduta proibida.

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