TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

268 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Salientem-se ainda os casos de falta de conclusões da motivação do recurso (Acórdão n.º 428/03) ou os casos relativos à exigência da especificação dos recursos retidos em que o recorrente mantinha interesse, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 412.º (Acórdãos n. os 724/04 e 381/06). O denominador comum destes arestos é o de que a ampla liberdade de conformação do legislador para impor ónus e estabelecer cominações processuais encontra o seu limite na proibição de soluções arbitrárias ou manifestamente excessivas. Em todos esses casos, entendeu-se que as normas restringiam fortemente o direito ao recurso, sem que tal desvalor fosse compensado pela promoção de um interesse com relevância equiparável, designadamente a exigência de celeridade no julgamento dos recursos em processo penal. A atual redação do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, dada sucessivamente pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, consagrando o dever do relator no tribunal de recurso de convidar o recorrente a aperfeiçoar a motivação do recurso, nos casos aí previstos, é orientada por esta jurisprudência constitucional. 13. Os juízos de inconstitucionalidade formulados nos arestos citados não são aplicáveis ao caso ver- tente. Isto por duas razões. A primeira é relativa às consequências da preclusão do acesso à fase processual correspondente. Tal como sucede com a fase de instrução, a fase de recurso é facultativa; porém, ao passo que a norma sindicada nos presentes autos interfere unicamente na decisão de submeter ou não o arguido a julgamento, na fase de recurso está em causa a consolidação na ordem jurídica dos juízos sobre a responsabilidade criminal do arguido e sobre a aplicação de sanções criminais. No caso de o recorrente ser o arguido, o exercício do direito ao recurso visa, no caso paradigmático, reverter uma decisão condenatória, sem o que a mesma transita em julgado e adquire força executiva. Ora, esta é uma diferença muito substancial de consequências entre a rejei- ção da instrução requerida pelo arguido e a rejeição do recurso interposto pelo arguido. Tal diferença justifica e impõe uma mais intensa tutela da posição do arguido quando pretende recorrer de uma decisão judicial que lhe seja desfavorável do que quando pretenda sindicar a decisão de acusar. A segunda razão prende-se, não já com as consequências associadas à recusa de abertura de cada uma das fases processuais em confronto, mas antes com o próprio teor das exigências processuais impostas para a peça processual que as visa desencadear e definir os respetivos objetos. A este propósito, tenha-se presente a distin- ção reiteradamente feita na jurisprudência constitucional entre vícios de formulação e vícios de conteúdo, ou seja, entre aqueles que incidem sobre a forma de que se reveste a pretensão processual e aqueles que atingem o respetivo objeto (vide Acórdão n.º 140/04). A omissão, no requerimento de abertura da instrução, dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, pela sua essencialidade para a definição do próprio âmbito objetivo da preten- são, não pode deixar de se enquadrar na segunda categoria, por se tratar de um vício que afeta a idoneidade e inteligibilidade daquela. Assim é porque, sem a indicação das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação e, nos casos em que o arguido pretenda a realização de diligências instrutórias, a indicação dos atos pretendidos, dos meios de prova não considerados na fase anterior e dos factos que com os mesmos se pretende demonstrar, fica condicionada a própria possibilidade de se apreender e delimitar o sentido da impugnação da decisão proferida pela entidade acusadora. Tais requisitos não correspondem, pois, a qualquer formalidade mais ou menos útil, antes consubstanciam o objeto da pronúncia exigida ao juiz de instrução criminal. Bem vistas as coisas, a possibilidade de aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução traduzir-se-ia na concessão de um novo prazo para a prática do ato. Ora, os prazos processuais decorrem da natureza do próprio processo, não se afigurando que o prazo fixado na lei para a apresentação do requeri- mento de abertura de instrução seja desrazoável – nem o recorrente o alega. Não há, pois, qualquer razão para supor que o alargamento desse prazo, pela via travessa da possibilidade de aperfeiçoamento de um requeri- mento inepto, é uma exigência constitucional. Acresce que a própria decisão que aprecia a observância das exigências impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, e que rejeita o requerimento de

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