TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL implica de modo algum a proscrição de ónus processuais, mecanismos indispensáveis para que o processo, seja de que natureza for, cumpra a sua função de realização do direito substantivo. Como se afirmou no Acórdão n.º 636/11: «(…) há que ter em conta que as normas ordinárias relativas a pressupostos processuais se incluem, por via de regra, no âmbito dessa margem de livre conformação. As regras legais que definem estes pressupostos, enquanto condições de admissibilidade, por parte do tribunal, dos atos praticados pelos sujeitos processuais, não podem à partida ser consideradas como agressões ao direito de acesso ao direito (artigo 20.º) e às garantias de processo (artigo 32.º). Pelo contrário: na exata medida em que visam isso mesmo – a regulação, por parte do legislador ordinário, dos termos em que o tribunal admite os atos praticados pelos sujeitos intervenientes no processo – constituem as referidas regras mecanismos de funcionalização do sistema judiciário no seu conjunto, fazendo parte dele enquanto meios necessários para a realização do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo (penal) côngruo. Ponto é que o conteúdo dessas regras se inscreva ainda nas exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não transformando os pressupostos processuais em encargos excessivos ou desrazoáveis para aqueles a que se destinam.» 11. A jurisprudência constitucional tem acolhido uma sequência de testes para apreciar a proporcio- nalidade de ónus processuais: (i) adequação funcional; (ii) grau de onerosidade; e (iii) consequências da inobservância. Apliquemo-los no caso vertente. 11.1. A adequação funcional é a aptidão para promover a racionalidade processual. Recorde-se que a norma sindicada estabelece como requisito único a que deve obedecer o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido, a indicação, sem sujeição a formalidades especiais e por súmula, das razões de facto e de direito da sua discordância relativamente à acusação. A esta exigência acrescerá, apenas caso o requerente o pretenda, a indicação dos atos de instrução que pretende que o juiz promova, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, espera provar. Estas exigências encontram evidente justificação na própria natureza da fase de instrução. Traduzem-se, em suma, na definição do respetivo objeto. Com efeito, há de ter-se por adequado – senão mesmo como exigível – que o arguido enuncie as razões que o opõem à decisão de deduzir acusação. E quanto aos casos em que se pretenda refutar a base indiciária de tal decisão, através da produção de prova não considerada na fase de inquérito ou aí não adequadamente produzida, também é idóneo – e crê-se que exigível – o ónus de especificação dos atos instrutórios a praticar e da finalidade a que se destinam. Sem estas menções, o próprio objeto da instrução ficaria indefinido, sendo certo que esta fase se destina exclusivamente à comprovação judicial do acerto da decisão de deduzir acusação. 11.2. O segundo teste, relativo ao grau de onerosidade, proscreve ónus que tornam praticamente impos- sível a atuação processual do sujeito ou o exercício do seu direito de defesa. Também este teste é facilmente superado pelas exigências processuais impostas pela norma sindicada. Com efeito, não só a mesma isenta o arguido da observância de quaisquer formalidades no requerimento de abertura de instrução, como apenas exige quanto ao seu conteúdo as menções já referidas. Trata-se de um grau diminuto de exigência, quer em termos absolutos, quer em termos comparativos com outras atuações processuais previstas no Código de Processo Penal. 11.3. Finalmente, as consequências associadas à inobservância do ónus para o sujeito sobre o qual impende não podem ser desproporcionadas em face das finalidades da sua imposição.
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