TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
265 acórdão n.º 46/19 condenação» (Acórdãos n. os 31/87, 332/91, 474/94, 54/00, 459/00, entre outros), dado que «[o] que a Constituição determina no n.º 2 do artigo 32.º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação» (Acór- dão n.º 452/00). Porém, daí não decorre que ao legislador processual penal seja permitido, como regra, e independentemente do caso particular dos processos especiais (vide Acórdão n.º 54/00), negar ao arguido o direito a provocar a abertura de instrução, seja diretamente – suprimindo o poder jurídico correspondente −, seja indiretamente – onerando excessivamente o seu exercício. Como se escreveu no Acórdão n.º 226/97, é «exigível, na perspetiva das garantias de defesa do arguido, que este possa optar pela realização de instrução». 10. No caso vertente, coloca-se precisamente a questão de saber se a lei, tal como a decisão recorrida a inter- preta, onera de forma excessiva o exercício do poder do arguido provocar a abertura de instrução. O Tribunal Constitucional tem vindo a entender que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação do processo, não sendo incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus proces- suais, desde que estes se não revelem arbitrários ou manifestamente excessivos (Acórdão n.º 46/05). Tal entendimento é transversal a todos os regimes processuais, como se salientou no Acórdão n.º 122/02: «O direito processual constitui um encadeamento de atos com vista à consecução de um determinado obje- tivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio, o que, consequentemente, impõe, por um lado, que as ‘partes’ assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra (cfr., sobre o ponto, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, t. I, pp. 364 e 365, e Acórdão n.º 223/95, deste tribunal, publicado no Diário da República , 2.ª série, de 27 de junho de 1995), e, por outro, para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada disciplina, para, além de mais, se conseguir que a composição do litígio se não ‘perca’ por razões ligadas a livre alvedrio das mesmas ‘partes’, alvedrio esse que, no limite, poderia conduzir a uma ‘eternização’ de atos com repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil. Daí que o processo, todo o processo – aqui se incluindo, obviamente o processo civil –, para além de dever ser um due process of law (vide, de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n. os 249/97 e 514/98, publicados no Jor- nal Oficial, 2ª série, de 17 de maio de 1997 e de 10 de novembro de 1998, respetivamente), tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas, não podem deixar de ser consideradas, numa certa perspetiva, como constituindo, inclusivamente, fatores ou meios de segurança, quer para as ‘partes’, quer para o próprio tribunal. As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é, porém, que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vai representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.» No contexto específico do processo criminal e das garantias de defesa do arguido, não se vislumbram diferenças estruturais relativamente aos termos em que a questão se coloca no direito processual em geral, sem prejuízo da graduação mais intensa do interesse do arguido, justificada pela natureza extraordinaria- mente lesiva do poder punitivo e pela congénita desigualdade de armas que caracteriza parte do processo. Significa isto que, ceteris paribus, a intensidade ablativa de um determinado ónus no domínio do processo penal é superior ao de outros domínios processuais em que se projetam interesses com menor sensibilidade constitucional. Porém, o limite essencial à liberdade de conformação do legislador é fixado por um e o mesmo princípio em todo o vasto universo do direito adjetivo: proibição do excesso. O n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, ao proibir o «encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido» (Acór- dão n.º 197/07), traduz simplesmente no domínio criminal uma exigência básica de due process of law. Não
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