TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não pode ser equiparado ao do arguido, entende que não é esse o cerne da questão aqui em discussão, a qual diz unicamente respeito ao exercício da liberdade de conformação do legislador processual penal. Mais salienta que a fase da instrução é meramente facultativa e que o indeferimento da mesma apenas impede a ocorrência da fase processual em causa, não sonegando ao arguido qualquer meio legal de defesa na fase de julgamento, o que distingue a situação dos autos de outras que dizem respeito a ónus do exercício do direito ao recurso. 8. Importa, antes de mais, delimitar rigorosamente os contornos da questão de constitucionalidade colo- cada no presente recurso. A prevenção justifica-se pela tónica colocada pelo recorrente nos fundamentos legais de rejeição do requerimento de abertura da instrução, designadamente por referência aos casos de «inadmissibi- lidade legal da instrução», expressão que consta do n.º 3 do artigo 287.º do Código de Processo Penal. Com efeito, toda a discussão sobre os fundamentos que podem conduzir a rejeição do requerimento de abertura de instrução, nos termos da referida disposição legal, extravasa a questão de constitucionalidade normativa que constitui o objeto do presente recurso. Por outras palavras, excede os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional a questão do acerto do juízo de que a instrução requerida pelo ora recorrente é legal- mente inadmissível. Como se escreveu no Acórdão n.º 695/16, «[t]odo o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.». Refira-se ainda que não se justifica qualquer apreciação da norma sindicada com fundamento no n.º 4 do artigo 32.º da Constituição. O recorrente não apresenta argumentos com base nesse parâmetro específico e é manifesto que a questão de constitucionalidade que coloca respeita exclusivamente às garantias de defesa do arguido, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º De resto, não se vislumbra em que medida a imposição cons- titucional de que a fase da instrução se revista de natureza judicial releva para ajuizar da constitucionalidade do objeto do presente recurso. Delimitada a questão, cabe agora apreciá-la. 9. No atual Código de Processo Penal, a instrução constitui uma fase facultativa do processo comum, cuja abertura depende, conforme os casos, de requerimento do arguido ou do assistente, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal. Nada obsta, nos termos da lei, a que o processo seja remetido para julgamento sem que tenha havido instrução, desde que, finalizado o inquérito, tenha sido deduzida acusação pública pelo Ministério Público (artigo 283.º do Código de Processo Penal), acompanhada ou não de acusação dependente do assistente (artigo 284.º), ou acusação particular pelo assistente (artigo 285.º). Como se refere no Acórdão n.º 610/96, na perspetiva das garantias de defesa e no plano do direito ordinário, a abertura da instrução corresponde ao exercício de uma faculdade, com o fito de que seja conduzida averiguação judicial sobre a existência de indícios suficientes para que a causa seja submetida a julgamento. Por outras palavras, a instrução consubs- tancia-se no controlo judicial do preenchimento da condição de que a lei faz depender o dever do Ministério Púbico deduzir acusação, nos termos do artigo 283.º, n. os 1 e 2, do Código de Processo Penal, qual seja, «uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.» Nos casos em que é requerida pelo arguido, a fase da instrução corresponde a uma garantia processual que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação; entre as garantias constitucionais de defesa em processo criminal conta-se, assim, «a de não sujeitar o arguido a julgamento quando não se verifiquem indícios suficientes para consistirem numa razoável convicção de que tenha praticado o crime» (Acórdão n.º 691/98). É certo que este Tribunal tem entendido, em jurisprudência sedimentada, que «a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação da existência de razões que indiciem a sua presumível
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