TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional, o limite essencial à liberdade de conformação do legislador é fixado por um e o mesmo princípio em todo o vasto universo do direito adjetivo: proibição do excesso; o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, ao proibir o «encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido», traduz simplesmente no domínio criminal uma exigência básica de due process of law , não implicando de modo algum a proscrição de ónus processuais, mecanismos indispensáveis para que o processo, seja de que natureza for, cumpra a sua função de realização do direito substantivo. V - A jurisprudência constitucional tem acolhido uma sequência de testes para apreciar a proporcionali- dade de ónus processuais: (i) adequação funcional; (ii) grau de onerosidade; e (iii) consequências da inobservância. VI - Quanto à adequação funcional, que é a aptidão para promover a racionalidade processual, a norma sindicada estabelece como requisito único a que deve obedecer o requerimento de abertura da instru- ção apresentado pelo arguido, a indicação, sem sujeição a formalidades especiais e por súmula, das razões de facto e de direito da sua discordância relativamente à acusação, acrescendo a esta exigência, caso o requerente o pretenda, a indicação dos atos de instrução que pretende que o juiz promova, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, espera provar; estas exigências encontram evidente justificação na própria natureza da fase de instrução, traduzindo-se, em suma, na definição do respetivo objeto, havendo de ter-se por adequado – senão mesmo como exigível – que o arguido enuncie as razões que o opõem à decisão de deduzir acusação. VII - O teste relativo ao grau de onerosidade proscreve ónus que tornam praticamente impossível a atuação processual do sujeito ou o exercício do seu direito de defesa; também este teste é facilmente superado pelas exigências processuais impostas pela norma sindicada, a qual não só isenta o arguido da obser- vância de quaisquer formalidades no requerimento de abertura de instrução, como apenas exige quan- to ao seu conteúdo as menções já referidas, tratando-se de um grau diminuto de exigência, quer em termos absolutos, quer em termos comparativos com outras atuações processuais previstas no Código de Processo Penal. VIII - Quanto às consequências associadas à inobservância do ónus para o sujeito sobre o qual impende – a imediata rejeição da instrução requerida pelo arguido, sem prévia formulação de convite ao aper- feiçoamento –, não constitui uma restrição irreversível das suas possibilidades de defesa; a norma sindicada interfere apenas na decisão de sujeitar o arguido a julgamento, não determinando a sua condenação ou absolvição, pelo que a proteção imposta pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição é naturalmente menos exigente do que a devida aos direitos que se exercem numa fase processual deci- siva, como o julgamento ou o recurso. IX - Embora o Tribunal Constitucional tenha julgado inconstitucionais, por violação do direito ao recurso em processo penal, diversas dimensões normativas que determinam a rejeição do recurso ou a restri- ção do seu objeto em virtude de deficiências ou omissão de formalidades previstas na lei, sem que ao recorrente seja dada a possibilidade de sanar tais vícios, aqueles juízos de inconstitucionalidade não são aplicáveis ao caso vertente, por duas razões: a primeira é relativa às consequências da preclusão do acesso à fase processual correspondente, pois ao passo que a norma sindicada nos presentes autos interfere unicamente na decisão de submeter ou não o arguido a julgamento, na fase de recurso está em causa a consolidação na ordem jurídica dos juízos sobre a responsabilidade criminal do arguido e sobre a aplicação de sanções criminais, diferença que justifica e impõe uma mais intensa tutela da
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