TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
249 acórdão n.º 25/19 em janeiro de 2010, em curso de publicação, “Escutas telefónicas, conhecimentos fortuitos e Primeiro-Ministro”, onde o mesmo Autor escreveu que “a solução perfilhada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e pela Procurador-Geral da República – nulidade das escutas por elas terem gerado conhecimentos fortuitos que atin- giram o Primeiro-Ministro – viola claramente a lei positiva e vigente, socavam os seus pressupostos teleológicos e político-criminais e contrariam de forma irreconciliável o respectivo horizonte constitucional. (…) Na disciplina jurídica dos conhecimentos fortuitos sobreleva, nos termos que deixámos enunciados, a circunstância de a sua recolha não depender – nem poder depender – da prévia intervenção e autorização do juiz de instrução. Pela natu- reza das coisas, a recolha dos conhecimentos fortuitos tem a marca incontornável da álea e da surpresa: não pode ser antecipada ou prevista, menos ainda acautelada. A legalidade da sua recolha e a legitimidade da sua valoração não dependem, por isso, duma – impossível – autorização do juiz de instrução. A legalidade e validade dos conhecimentos fortuitos dependem exclusivamente da legalidade e validade originária das escutas em cuja rede eles acabam por cair. ( .. ) De outra forma – a seguir-se, por exemplo, o entendimento subscrito tanto pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça como pela Procuradoria Geral da República – não haveria, à partida, escutas definitivamente válidas. Já que todas elas estariam expostas ao risco incontrolável da álea, concretamente a eventualidade de elas arrastarem consigo conhecimentos fortuitos atinentes às mais altas esferas do poder político. E cuja recolha, por não ter sido autorizada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na veste de juiz da instrução, ditaria sem mais a nulidade das escutas. Em rigor, todas as escutas seriam validas à condição de não ocorrerem os, sempre imprevisíveis, conhecimentos fortuitos. ‘’). * 74. Portanto, o despacho do presidente do Supremo Tribunal de Justiça é ilegal na parte em que diz “não valido a gravação “, quer porque o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não tinha competência para o efeito (tratando-se de um suposto crime cometido pelo Primeiro-Ministro no exercício de funções), quer porque as escu- tas tinham sido validamente ordenadas pelo juiz de instrução de Aveiro e a legalidade dos conhecimentos fortuitos por ela obtidos não dependia da validação prévia, nem posterior, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.» Alega também o ora reclamante que a questão foi sumariamente enunciada no n.º 55 e na conclusão Q. do recurso para a Relação, transcrevendo aquele número, em que invoca doutrina que, segundo o recorrente, debate o tema no sentido sustentando pelo recorrente e com o seguinte teor: «55. De qualquer forma, sempre seriam, e são, nulas as decisões do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de anular e mandar destruir escutas telefónicas realizadas entre o Primeiro-ministro e um suspeito, em que o alvo é o sus- peito e o Primeiro-ministro apenas intercetado de forma acidental e fortuita, porque a competência do art. 11.º, n.º 2, b) do CPP nunca pode abranger a recolha de conhecimentos fortuitos, os quais têm a marca incontornável da surpresa, não podendo ser antecipados, previstos ou acautelados, razão pela qual a legalidade e validade dos conhecimentos for- tuitos depende exclusivamente da legalidade e validade originária das escutas em cuja rede acabaram por cair.”. Em nota, escreveu-se: “Para um maior desenvolvimento, c.fr . parecer de Paulo Pinto de Albuquerque, pp. 36 a 46; neste item, ver também, com especial relevo, a posição de Manuel da Costa Andrade, in “Escutas telefónicas, conhecimentos fortuitos e Primeiro-ministro “. Revista Legislação e Jurisprudência, ano 139, maio/junho, 2010, pp. 269 e ss., e ainda nos artigos do “Público” de 18/11/2009 e 04/10/2010.”» Invoca o reclamante, por fim, ainda um argumento de evidência, já que, conforme escreve no ponto 35 da presente reclamação: «Acresce que a questão do princípio da igualdade, permitindo um tratamento diferente para, por um lado, cer- tos titulares de cargos políticos e o seu círculo de contactos e, por outro, para os restantes cidadãos, quando se está perante conhecimentos fortuitos que não podem ser antecipados ou previstos, coloca-se de forma quase evidente (sem prejuízo de se poder concluir que não há violação do princípio da igualdade).»
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