TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no Tribunal Constitucional não integrar nem o RAI, nem o parecer do Prof. Pinto De Albuquerque, nem a Contestação, o que vai suscitar a arguição de uma irregularidade em requerimento autónomo». O reclamante, para ilustrar a forma como a questão teria sido suscitada perante o Tribunal recorrido, transcreve um trecho do RAI, que teria sido posteriormente retomado em sede da contestação: «70. Primeiro, o órgão que proferiu a decisão não tem competência para o efeito. A competência do pre- sidente do Supremo Tribunal de Justiça para autorizar e controlar a legalidade de escutas em que intervenha o primeiro-ministro diz apenas respeito a crimes cometidos por ele fora do exercício das funções. Foi esta, e apenas esta, a novidade da revisão do CPP de 2007. No tocante à investigação criminal relativa a crimes cometidos pelo primeiro-ministro no exercício de funções, a competência para autorizar e controlar a legalidade de escutas de conversas em que ele intervenha pertence ao juiz da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 11.º n.º 7, do CPP. Como já pertencia antes da revisão do CPP. Neste tocante a reforma de 2007 não quis trazer e não trouxe nada de novo. * 71. Com efeito, lê-se na acta n.º 17 da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), do dia 10 de abril de 2006, que os membros desta “por unanimidade e por princípio rejeitaram igualmente a hipótese da criação de um “foro especial” para autorização de interceções e gravações ou comunicações”. Só na acta n. 26, o dia 25 de setembro de 2006, o Presidente da UMRP deu conta da alteração introduzida, por decisão política alheia aos conselheiros da UMRP, no tocante à admissão da intervenção do presidente do Supremo Tribunal de Justiça para autorizar a interceção e gravação de comunicações telefónicas de certas figuras do Estado. Sem que uma palavra fosse dita no sentido de essa alteração prejudicar a competência dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 11.º, n.º 7 do CPP, que se manteve intacta e sem quaisquer restrições. Tal como os conselheiros tinham anteriormente sublinhado. * 72. Acresce que a competência do Supremo Tribunal de Justiça não cobre, nem tinha e cobrir, os casos em que o Primeiro-Ministro não é sequer suspeito da prática de qualquer crime e mantém conversas telefónicas com um suspeito, sendo obtidos conhecimentos fortuitos da prática de um crime distinto daquele que determinou a escuta. Por uma razão simples: é que o Primeiro-Ministro não é então o visado pela escuta, ele não é o suspeito, nem intermediário do suspeito. A exigência da autorização prévia do Supremo Tribunal de Justiça de uma escuta de uma conversação tida por um suspeito com o Primeiro-Ministro que é um mero interlocutor obrigaria o juiz de instrução a fazer de adivinho. O juiz teria que adivinhar quem são os interlocutores com quem o suspeito iria falar antes de se iniciar a escuta e, caso adivinhasse que o suspeito iria falar com o Primeiro-Ministro, teria então de a escuta ser autorizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A inexequibilidade desta exigência mostra à evidência a sua falta de fundamento. Acresce que esta exigência constituiria um inadmissível regime de privilégio para as pessoas das relações pessoais do Primeiro-Ministro, mesmo que essas pessoas fossem suspeitas da prática de crimes. Um tal regime violaria o princípio da igualdade. Portanto, a validade das conversas telefónicas tidas por um suspeito com um Primeiro-Ministro, que não é ele próprio suspeito da prática de um crime, nem intermediário do suspeito, em que se obtêm conhecimentos fortuitos da prática de um crime distinto daquele que determinou a escuta, é fiscali- zada pelo juiz de primeira instância que determinou a escuta. * 73. Dito por outras palavras: a interpretação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem o efeito prático de inutilizar quaisquer conhecimentos fortuitos resultantes de escutas legalmente ordenadas por um juiz de ins- trução, se esses conhecimentos fortuitos se referirem a crime praticado pelo Primeiro-Ministro. Esta interpretação esvazia de conteúdo o artigo 187.º n.º 7, do CPP (precisamente no mesmo sentido opinou Costa Andrade, in Escutas: coisas simples duma coisa complexa, in jornal Público , de 8.11.2009, página 37, onde se lê: “De forma sincopada: em matéria de conhecimentos fortuitos, cidadão comum e órgãos de soberania estão, rigorosamente, na mesma situação. Nem um nem outro gozam do potencial de garantia própria da intervenção prévia de um juiz de instrução, a autorizar as escutas. (….) Uma vez recebidas as certidões ou cópias, falece àquelas superiores autoridades judiciárias e, nomeadamente ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, legitimidade e competên- cia para questionar a validade de escutas que foram validamente concebidas”; e ainda no texto da conferência de homenagem ao Professor Figueiredo Dias, organizada pela UCP e pela Ordem de Advogados na cidade de Viseu

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